quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A estrutura religiosa Afrosul e os conceitos Yorubá. Parte 1


Escrito por Erick Wolff

Trabalho publicado na Revista Olorun, n. 6, Outubro 2011.
http://www.olorun.com.br
RESUMO
O propósito deste texto é fazer um  paralelo do Nàgó Afrosul e a cultura Yorùbá, apresentando o conceito de Nação deste segmento, e a possível formação de quatro raízes na cultura religiosa do Batuque do R.S., comparando as raízes do Nàgó Afrosul e seus costumes, divindades e a similaridade com a estrutura religiosa Yorùbá. Faremos uma comparação entre as tradições de cada uma das raízes, demonstrando a falta de elementos para caracterizar as Nações dentro do Batuque Afrosul. Serão apresentados elementos que possivelmente influenciaram a formação destas vertentes Afrosul, denominadas Kanbina, Jeje, Ijesa e Oyo.


INTRODUÇÃO

Uma Nação é formada por uma comunidade, onde os indivíduos se distinguem entre 
seus costumes, língua, tradições, rituais, cultura e culto às divindades.
A formação de uma nação se dá na definição cultural e religiosa deste povo, levando em 
consideração pontos comum entre a cultura, origem e raça (fatores objetivos), e o estado 
ativo de um grupo para criar novos costumes e rituais (fatores consequenciais), 
resultando no fator existencial para a identidade daquele povo.

Todos os indivíduos pertencentes ao grupo estão unidos pela consciência coletiva social 
e religiosa, para perpetuar a memória dos antepassados, história e atos religiosos.  Uma 
Nação é destacada pela língua,  história, religião, costumes, cultura e tradição de um 
povo, no território brasileiro, aqui no Brasil houve a formação de muitas Nações 
religiosas vinculadas à cultura Africana, conhecidas por religiões Afro-brasileiras, 
destacando-se as Nações do Ketu, Djedje, Angola, Fon, e Ijesa, dotadas de costumes e 
língua diferente, tal como tradições e rituais que distinguem cada uma, perceptível a 
qualquer momento.

Porém apesar de assumirem os nomes e tradições baseados na 
cultura Africana, estas Nações religiosas não existe na África, não como são cultuadas 
aqui, afinal nasceram no Brasil e seus costumes, tradições e rituais foram adaptados 
para a nossa realidade, apesar da similaridade com os costumes e nomes Africanos, 
estas Nações tiveram origem em território brasileiro, e seus nomes nada mais são do que 
uma homenagem a origem do culto instalado e adaptado para a realidade brasileira, o 
que não quer dizer que seja a tradição aplicada na sua origem. 

As Nações sobrevivem através dos adeptos e sacerdotes que mantêm o culto e a Nação 
viva, para que isso ocorra, serão necessários uma organização e ordem religiosa, muita 
fé e dedicação de todos, fundamentando tradições e missão comum entre os indivíduos 
daquela Nação, sendo possível surgirem raízes, ou seja, ramificações de uma própria 
Nação destacando-se para novas vertentes desta Nação, porem se não houver fatores 
eficientes para que formem uma nova Nação, não passará de ramificações de uma 
mesma Nação. 

O caso do Batuque Afrosul que permaneceu por muitos anos ilhados do aculturamento, 
protegido por um longo período de qualquer influencia externa que pudesse contaminar 
este povo com elementos das demais culturas Afro-brasileiras, mantendo o culto 
original modificando muito pouco os costumes durante este período.

Durante anos não houve mudanças significantes que pudesse ser apontada, ao mesmo tempo em que esta 
reclusão favoreceu a cultura Nàgó Afrosul, criou um pequeno problema de atualização 
da língua, costumes e tradições religiosas, com o tempo foram perdendo alguns
conceitos e costumes desta cultura, piorando com a morte dos sacerdotes mais velhos, 
quem sabe esta reclusão fez com que muitos costumes se misturassem.

Discorreremos neste texto um paralelo sobre os costumes e tradições que formaram o 
Nàgó Afrosul e suas quatro vertentes, que por muitos anos foram consideradas Nações 
tais como o Candomblé de Ketu, Djedje, Fon, Angola, Ijesa e etc..., esclarecendo como 
funciona o belo sistema Nàgó Afrosul e suas quatro raízes, apresentando fatores que 
provavelmente contribuíram para a formação e fundação de cada uma delas, acompanhe 
uma breve apresentação de como funciona a formação de um templo até seus costumes 
e tradições. 
     
A estrutura do Nàgó Afrosul é composta por quatro vertentes religiosas, Kanbina 
(fundada por Waldemar de Sàngó Kamuka), Jeje (fundada pelo príncipe Custódio de 
Xapanã), Ijesa (Pai Paulino de Oxalá Efan), finalmente Oyo (fundada por duas irmãs, 
que suas divindades dividem a hierarquia, Ìyá Emília de Oyá Lajá e Ìyá Cesária de 
Sàngó  - Oba Leri). Observe que todas as vertentes que foram fundadas possuem a 
divindade do iniciado como regente. E será sobre estas raízes e famílias que fundadoras 
do Batuque que iremos traçar um paralelo entre os costumes e suas origens. Conheça 
um pouco sobre cada ramificação e seus costumes; ... 




A raiz Kanbina do Nàgó Afrosul

A família Kanbina segue o grande Aláàfìn, a divindade ao qual o ancestral mais
velho e fundador desta vertente foi iniciado, conhecido por Waldemar de Sàngó Kamuka, suas cantigas sugerem ser o conhecido Baru Olofin, até então qualquer Itan não foi mencionado pelos membros da própria cultura, porem,  é de conhecimento da cultura do Candomble de Ketu alguns Itan e informações desta divindade, que até então não era cultuada nos templos até o século vinte, por ser um Aláàfìn ao qual não teve um reinado muito tranquilo, por isso preferem evitar cultuar esta divindade.

Segundo a diáspora Afro-brasileira (informação pessoal de Matâmoride)
Os Kanbineiros possuem o costume de sacrificar animais para Sàngó toda vez que
fazem alguma obrigação, considerando que o mesmo poderá restabelecer a ordem e
segurança no ritual, caso haja algum falecimento durante os rituais, evitando  perder
qualquer sacrifício oferecido durante as cerimonias.

A Kanbina possui uma estrutura organizada e modelada para cumprir todos os rituais envolvendo o Aláàfìn, sendo que as divindades não podem manifestar antes da Balança1, esperando o julgamento do grande Aláàfìn sobre as obrigações de feitura2 e ou quatro pés, caso ocorra a manifestação de alguma divindade ela deverá ser ouvida, pois traz algum anuncio de que algo está errado e deve ser consertado antes que se
faça o ritual da Balança.


Sobre o ritual da Balança

Este ritual ocorre entre as rezas de Sàngó, somente aqueles que passaram por
rituais de iniciação subsequentes de sacrifícios de animais de quatro patas
podem participar, formando uma roda de 6, 12, 21, 24 chegando até a 32
participantes, durante a Balança, somente o Alagbe3 rege do começo ao fim,
sendo que ao fechar a roda, ou seja, todos os participantes dão as mãos e
permanecessem assim até o final, sob pena de caso soltem algum mal poderá
submeter a casa e ou integrantes da Balança. Antes da Balança não há
manifestação de nem uma divindade, desta forma, fica a cargo do Alagbe
trazer as divindades chamando pelo toque e pela cantiga, as divindades durante a
cerimonia.

Segundo a diáspora Kanbina Afrosul, a Balança é formada por um circulo de pessoas,
que prende no centro da roda o Legba, uma divindade vinculada ao dano e destruição,
que permanece até que a primeira divindade se manifeste, a partir deste momento ele
deve ficar do lado de fora da roda, circulando ao redor esperando que abra uma falha na
roda (algum dos integrantes solte uma das mãos dada), para que ele possa trazer dano e
males para aquela casa, caso isso ocorra, a obrigação não foi aceita, causando danos e
males para os membros da roda e a casa. [informação - Mógbà d'Sàngó raiz Kanbina].

Caso chegue a quebrar uma balança, imediatamente o sacerdote para a cerimônia, vai ao
quarto de santo e deve sacrificar em cima de uma canjica branca um pombo branco,
para Òòsàálá, logo após monta-se novamente a roda retorna o ritual, até que o Alagbe termine a reza e chame os Orisa para o Alujá4. [este ritual é procedente do templo Ilé-ọba Óbokún Àṣẹ Nàgó'Kòbị̀ ]. Neste momento fica a cargo do Alagbè trazer ao mundo os Orisa, com exceção apenas de Òòsàálá e Yemonja, assim que os demais cheguem durante este ritual e logo após, as divindades vão para frente de o Tambor dançar o Alujá e depois o Alambá5.                                      

1 Balança – Ritual de confirmação da obrigação, julgado por Sàngó.
2 Feitura  – Ritual onde o individuo é iniciado para uma divindade.
3 Alagbè  – Tamboreiro encarregado de tocar o tambor e tirar as cantigas


Orisa cultuados na Kanbina

Estas são as divindades cultuadas nos templos da raiz Kanbina, em sequencia de
irunmole6; Bará, Ogun, Oya, Sàngó, Odé, Otim, Oba, Òsanyìn, Xapanã, Igbeji, Osun, Yemonja,
Òòsàálá e Orunmila.

Acrescentando nesta ordem algumas divindades cultuadas do lado de fora do
templo, como Ojúbo7 do templo, que são; Bará Lodè8, Ògún Avagã9, Oya Dirã10, Oya Timbowa11, Legba12 (pertence apenas a raiz Kanbina) e Zina13 (pertence apenas a raiz Kanbina.

Esta sequencia deve ser respeitada na hora de formar a roda de Orisa.

4 Allujá  – Toque de guerra de Sàngó, convocando todas as divindades para a
guerra.
5 Alambá  –  Toque de guerra da Oya a única divindade feminina que possui um
toque de guerra.
6 Irunmole  – Todas divindades cultuadas pela Nação do Batuque que o individuo
carrega.
7 Ojúbo  – ìgba-Òrìsà coletivo, ele serve para a comunidade do templo e para os
consulentes fazrem seus pedidos e oferendas.
8 Lodè  – Bará da rua ou lado de fora, nome  do próprio Òrìsà.
9 Ògún Avagã  – Um Ògún que fica ao lado do Bara lodè, repartindo até mesmo
os quatro pés.
10 Oya Dirã – Oya que divide a função de Ojúbo com a Timbowá.
11 Oya Timbowa – Esta Oya estará sempre respondendo como Ojúbo do templo,
dificilmente veremos uma iniciada desta divindade na Kanbina.
12 Legba  – Divindades das ruas e encruzilhadas muito vinculado a sexualidade,
seu vulto sempre carrega um falo ereto e grande, idêntico ao Bará.
13 Zina  – Esposa do Legba segundo os sacerdotes da Kanbina, provavelmente
seja a própria Ayizan ora considerada esposa hora mãe do Legba pelos Djedje. Ayizan é
o vodun feminino ligada ao mercado, considerada a dona da crosta da terra.
14 Orin  – Cantigas para as divindades.


Na sequencia de Irunmole, as cantigas são puxadas pelos Alagbè, entoadas pelos
iniciados no salão. No caso da Kanbina, a ordem começa pelo Legba e segue na ordem
até terminar com Òòsàálá.


As cores das divindades cultuadas na Kanbina.

Bará (vermelho), Ogun (verde e vermelho), Oya (branco e verme), Otim (rosa e azul),
Sàngó (vermelho e branco), Odé (azul marinho e branco), Otim (rosa e azul claro), Oba
(rosa ou marrom), Òsanyìn (verde e amarelo ou verde e branco), Xapanã (preto e
vermelho, lilás e branco ou preto e  roxo), Igbeji (colorido), Osun (amarelo ou
dourado), Yemonja (azul claro) e Òòsàálá (branco) Orunmila (preto e branco).


Oferendas características da Kanbina para os Orisa.

Bará (milho torrado, pipoca e sete batatinhas assadas), Ogun (costela e farofa de
Gbaguda15), Oya (pipoca e rodelas de bata doce frita no azeite comum), Sàngó
(amalá16), Odé e Otim (bisteca frita com Gbaguda), Oba (canjica amarela cozida e
refogada no Epo-pupa17 com cheiro-verde), Òsanyìn (dois Opete18), Xapanã(feijão
preto cozido, amendoim torrado, milho torrado e pipoca), Igbeji (doces), Osun
(canjica amarela cozida), Yemonja (canjica branca cozida e refogada com azeite
doce e cheiro-verde) e Òòsàálá (canjica branca e o Acasá19).


Oferendas de animais

No momento do sacrifico é importante que o sacerdote esteja cortando desta forma são
dispensáveis o cargo de Asogun20 nas Nações existentes como Ketu, Angola, Djedje e
Fon.

Os miúdos das aves, são chamadas de  inhalas, elas são retiradas da carcaça, fritas e
arriadas na frente dos Orisa.

Sequencia de obrigações

Oríbíbo – A primeira iniciação destinada ao Orí, nesta obrigação é sacrificada apenas
um casal de pombos brancos na cabeça do indivíduo, algumas casas estão deixando de fazer este ritual, no entanto é uma obrigação importante, pois está vinculada direto ao Orí.

Ìborí – Nesta obrigação poderá ser sacrificados aves ou animais de quatro pés, tudo
dependerá da necessidade.

Feitura – A iniciação do indivíduo vinculada ao Orisa, nesta iniciação deverá ser
seguida de animais de quatro patas.

Oyè21 ou chamado de Apronte - O iniciado recebe o aval de poder iniciar indivíduos
na religião, mesmo que não abra uma casa, ele pode exercer o cargo dentro da casa do
sacerdote onde foi iniciado.

21 Oyè  – Cargos atribuídos aos iniciados.


Ritual do Arissun.

A Kanbina é a única raiz do Nàgó Afrosul que dá continuidade aos rituais quando
alguém iniciado da comunidade chegar a falecer.

As demais vertentes do Nàgó Afrosul são obrigadas a despachar tudo e aguardar até que passe o luto (de três meses a um ano, depende do Oyè do falecido). Fora esta peculiaridade o ritual Fúnebre é chamado de
Arissun. Uma vez por ano é feito uma festa para os entes falecidos, chamado de Missa dos Eègún, que apesar de alguns possuírem o conceito de que o Igbalè22 é habitado pelos Orisa e não pelos antepassados  da religião, a função do Igbalè é de venerar e honrar apenas os antepassados.

Principais oferendas do Arissun.

Arroz com Galinha, a tradicional galinhada gaúcha.
Arroz refogado com couve.
Arroz refogado com linguiça.
Arroz doce.
Uma bacia com vários legumes.
Comida em geral.

22 Igbalè  – Local sagrado destinado ao culto dos antepassados.


(fim parte 1)

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