O “CHÃO” E SEU SIGNIFICADO TEOLÓGICO NO BATUQUE
Jayro Pereira de Jesus (Ògiyán Kalafò Olorode)
“Vou pró-chão”, “fazer chão”, “está no chão” ou “ir pró-chão” tem sentido para os/as religiosos afro-gaúchos comparados a “vou me recolher, vou ser recolhido, está recolhido, fazer, está de ou dá obrigação” para os adeptos do candomblé ou da Religião de Matriz Africana e/ou Afro-Brasileira se assim preferir, em quase todo o país.
Ainda ouve-se também dizer: deitar pró-santo, pró-orixá, pró-inquice, pró-vodun, etc.
A intenção aqui é a de tecer reflexões, observações e comentários teológicos e filosóficos, embora que introdutoriamente, mas que visam traduzir a importância ancestrálica tanto no sentido individual dos/as que estão no chão e/ou de obrigação, sobre a função coletivo do chão no que concerne à comunidade (egbé), bem como no que concorre significativamente para a dinâmica cosmológica, de forma a engendrar ou potencializar a Existência como um todo, “Entusiasmando-A” a partir da energia de cada um/uma na qualidade de Ente biomítico, antropotheogônico, antropothológico.
A palavra “ENTUSIASMO” proveniente da língua grega é composta de três junções de sufixos que são: “EM”(dentro), “THEOS”(Deus e/ou Divindade) e “ASM” (acção), significando “Deus e/ou a Divindade dentro de nós em acção”.
Ir pró, está e/ou fazer chão como ser recolhido, dá, fazer obrigação, deitar ou ainda pagar obrigação como dizem alguns, é um processo e/ou etapa iniciática de incomensurável importância e de tamanha responsabilidade tanto da parte dos que vão pró-chão ou estão no chão como do sacerdote ou sacerdotisa (Babalorixá, Iyalorixá, Doté, Doné, Tata, Nengua, Mameto) oficiante da ritualística junto com os/as adjuntos/as que envolvem o reencatamento sazonal das antropoorixalidades, pois, trata-se de lidar com a Vida na sua totalidade e complexidade compreendida como detentora de transcendentalidade ou sacralidade ontológica.
Necessário se faz dizer de alguns termos aqui empregados começando pelo verbete “chão” que buscando em Houaiss como em Aulete encontramos os sinônimos como: (Houaiss) superfície da terra, solo; local de origem ou onde se vive; querência, terra natal, extensão de terra; (Aulete) apoio, base, aquilo que dá condição de estabilidade, firmeza ou segurança física, moral e espiritual; qualquer superfície firme e sólida, onde se pode pisar, andar e apoiar o corpo ou objetos; lugar onde se nasceu ou onde se vive; chão traduz-se também como lugar tranquilo, sereno, etc.
Economia ancestrálica
Os Seres humanos homens e mulheres, crianças, jovens, adultos, os/as mais velhos de concepção existencial Biomítica em que o Orixá, o Inquice, o Vodun ou o Ancestral constitui-se como parte intrínseca da constituição humana indissociavelmente, viver, está no mundo (Àiyé) é se preparar o tempo todo para a Ancestralização.
É como verdadeiramente fazer economia para se tornar uma/um ancestral ilustre por ter bem cumprido o projeto mítico social mensurado pela longevidade.
O Chão pode ser comparado a uma espécie de poupança em que se cuida cotidianamente da vida individual que não tem serventia se não estiver em função do coletivo ou da comunidade.
O chão como sinônimo de terra de acordo com a teologia e a filosofia da cosmovisão africana tem a ver com IKÚ como a matéria prima da Existência com todos os componentes do cosmo de cujo ingrediente bioquímico ou teofísico singulariza cada um dos/as que estão no chão mediante a identificação do Orixá de cada um/uma.
Ir pró, está no, fazer chão, dar, fazer obrigação é repactuar a Vida, a Existência, a longevidade com IKÚ, Legba (Santos, 2008, p. 168), Èsù Bara (Santos, 2008, p. 169) ou OBARA - o Rei, Aquele que da sustentabilidade, dinamicidade ao Corpo como Território do Sagrado (MIRANDA, 2000).
Fazer chão implica na desneutralização do àse de maneira a que seja dinamizado, potencializado para a Vida no seu sentido BIOMÍTICO tenha, plenitude.
Estar no “chão” implica cuidar um do outro, cuidar da harmonia do grupo, está atento às teofanias dos Orixás, dos Inquices, dos Voduns, dos Ancestrais, dos Antepassados.
Auscultar os sinais, tirar lições, apreender, reaprender pressupõe exercício de hermenêutica de interpretação.
Está no “chão” implica interceder a Olórun ou Oba-Órun (Rei do Òrun), a Màwú/Lisa, a Nzambi a Olódùmarè, a Orúnmìlà, a Àjàlá pelo Orí (cabeça) de cada um/uma para que ela (a cabeça) cada vez melhore, seja qualificada e engendre o projeto mítico social, absorvendo os valores mais sublimes da Divindade que cada um/uma carrega imbricadamente e que não pode ser arroladas às idiossincrasias, incongruências ou a subjetividades culturalmente forjadas.
Fazer “chão” tem funcionalidade de potencializar o Àse, por conseguinte, de revitalizar a Dignidade Existencial, ENTHEOSASM, de forma a exaltar, engendrar a antropotheoorixalidade dos/as que vivem sob a inspiração das divindades intrínseca ao Ser Humano, Homem Mulher desse lugar civilizatório de matriz africana.
Referência
MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Corpo: território do sagrado. São Paulo: Loyola, 2000.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nãgô e a morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égun na Bahia Traduzido pela Universidade Federal da Bahia, 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. .
ÀSE, NGUZU
“Chão” nos 29 Anos de Iyemoenja
Comunidade Terreira Ilé Axé Iyemoenja Omi Olodo
Porto Alegre, julho de 2012
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