Bàbá Hendrix ti Ọ̀rúnmìlà
Pouco se discute sobre o axerê
e seu papel na nossa religião, embora existam muitas teorias e explicações para
sua existência. Muitos acreditam que o axerê é o Orixá em estado infantil e por
isso cobrem-lhe de brinquedos e badulaques, mas se fizermos uma análise
epistemológica de seu comportamento teremos também outras idéias a seu
respeito.
Existe uma tremenda confusão a
respeito da palavra que o identifica: axêro, axerê, axerêo, axêre, são alguns
dos termos pronunciados pelos africanistas gaúchos. Este termo existe só no Rio
Grande do Sul e é derivado de uma palavra da língua iorubá.
Carlos Galvão Krebs, um dos
primeiros antropólogos gaúchos a pesquisar o batuque foi até a Bahia se
encontrar com o mais que conhecido etnólogo francês Pierre Fatumbi Verger. Ao
se deparar com a palavra axerê, coletada na comunidade afro-gaúcha, Verger
extasiado diz: “Mas isso é iorubá” – mostrando um dicionário dessa língua.
De fato, em seu livro Orixás
(VERGER, 1997, pág.139), Verger aponta a expressão o
se bí asiwère (o xe
bi axiuerê) que quer dizer "ele porta-se como um louco". Então axerê
(corruptela de axiuerê) significa “louco”. Alguns podem contestar isso mas
prestem mais atenção ao comportamento dos axerês: eles sempre invertem as
localizações e alguns objetos substituindo as palavras originais pelo seu antônimo,
por exemplo: dizem frente quando se referem aos fundos, encima quando é
embaixo, luva ao invés de meias; palavrões no lugar de expressões comuns;
sempre falam no tempo passado para acontecimentos do presente (ao invés de “é”
eles dizem “era”); e tantas outras “loucuras” que vemos nas casas de religião.
No entanto, quase a totalidade
dos africanistas afirmam ser o axerê uma criança. Existe até mesmo uma
explicação com certa lógica com base num estudo superficial da semântica da
palavra: axerê seria a contração, muito recorrente na língua iorubá, de duas
palavras -> axé (energia imaterial divina) + erê (criança), ou seja, axé de
erê ou de criança. De fato, todos os pesquisadores sempre aludem esta questão.
Norton Correia em seu livro O
Batuque do Rio Grande do Sul, afirma que eles agem “[...] como crianças de 3
anos, os axerês mostram comportamento tipicamente infantil: ar abobalhado,
olhos semi-arregalados, boca entreaberta.” (CORREA, 2006, pág.123) Mônica
Buonfiglio também diz que “[...] o noviço toma uma forma infantil [...]”, no
seu livro Orixás! (Buonfiglio, 1995, pág.112); e até mesmo Verger, em suas
observações dos ritos de Xangô na Nigéria, diz que é “[...] um estado de
langor, de abatimento e sonolência, durante o qual se entrega a atos de caráter
infantil [...]”. (Op.cit.) Contudo, os termos “agem como”, “toma uma forma” e
“atos de caráter” são claramente explicativos, pois esses pesquisadores
concluíram que os axerês se portam como se fossem crianças, mas não afirmam que
o são.
Já para os praticantes do Candomblé
o axerê é na realidade “um tipo de entidade infantil” que tem relação com o
Orixá da pessoa mas que não é o mesmo. São entidades distintas: o Orixá é uma
coisa, o Erê (nome pelo qual é chamado no Candomblé) é outra.
E para quê serve o axerê?
O elégùn (“cavalo-de-santo”)
quando ocupado pelo Orixá, segundo Verger, está num “[...] estado de exaltação
e veemência enérgicas e autoritárias [...]”. O rigor físico provocado pelo
Orixá manifestado impossibilita o funcionamento natural do organismo, então o
axerê, antes de tudo, serve como relaxamento inclusive para a normalização de
algumas funções fisiológicas interrompidas durante o transe. Quando em axerê, o
Orixá pode comer e beber, se descontrair, enfim, socializar-se.
Norton Correia foi o
pesquisador que mais se dedicou ao estudo dos axerês dedicando algumas páginas
no seu célebre livro. Segundo ele, o axerê é um estado intermediário entre a
ocupação e o normal. Perguntada por ele sobre o que é o axerê, Mãe Ester de
Iemanjá diz o seguinte:
“É o mesmo santo, mas fica assim como criança, nem cá nem lá, nem é mais orixá, mesmo, nem é gente”.
“É o mesmo santo, mas fica assim como criança, nem cá nem lá, nem é mais orixá, mesmo, nem é gente”.
Pùpó àse gbogbo!
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Referências Bibliográficas
BENISTE, José. As águas de Oxalá: (àwon omi Ósàlá). 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 336p.
BUONFIGLIO, Mônica. Orixás! São Paulo: Oficina Cultural Mônica Buonfiglio, 1995. 183 p.
CORRÊA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1992. 289p.
SILVEIRA, Hendrix. A cultura religiosa dos iorubás: do surgimento à diáspora. Porto Alegre: Monografia/FAPA, 2004
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses iorubás na África e Novo Mundo. 5.ed. Salvador: Corrupio, 1997. 295p.
BENISTE, José. As águas de Oxalá: (àwon omi Ósàlá). 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 336p.
BUONFIGLIO, Mônica. Orixás! São Paulo: Oficina Cultural Mônica Buonfiglio, 1995. 183 p.
CORRÊA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1992. 289p.
SILVEIRA, Hendrix. A cultura religiosa dos iorubás: do surgimento à diáspora. Porto Alegre: Monografia/FAPA, 2004
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses iorubás na África e Novo Mundo. 5.ed. Salvador: Corrupio, 1997. 295p.
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