Pelo INSTITUTO
HUMANITAS UNISINOS
Jesus que nasce para todos: como as religiões interpretam o natal.
Para quem não é cristão, a sensação de comemorar o Natal, o nascimento de Jesus Cristo, pode ser a mesma de participar de
uma festa na casa de um desconhecido.
Com antigas raízes pagãs e voltando-se recentemente a um simbolismo que
perde sua conexão com Cristo, o Natal é comemorado pela grande maioria das
pessoas do mundo – e de diferentes credos.
E, cristãos ou não, todos compartilham, nesse período, do chamado
“espírito natalino”.
Por isso, IHU On-Line conversou
com alguns líderes religiosos locais para ver como cada um, a partir da sua fé,
vivencia esse ambiente marcado por uma das maiores festas cristãs.
A reportagem é de Moisés
Sbardelotto.
O Natal tem uma história longa e variada,
marcada também por uma mistura religiosa de fundo. Em dezembro, no hemisfério
norte, já havia uma celebração milenar por ocasião do solstício de inverno.
Na Europa, os povos se reuniam para comemorar a luz e
o nascimento após a pior fase do inverno, quando poderiam, enfim, olhar para
frente esperando tempos melhores – e com mais sol.
Na Roma antiga, os festejos iniciavam exatamente
no dia 25 de dezembro, em homenagem ao nascimento do Deus Sol, conhecido como "Natalis Solis Invcti" (O Nascimento do
Sol Invencível).
Com a oficialização do cristianismo no Império
Romano, várias datas festivas foram cristianizadas. Assim, da
comemoração do nascimento da luz e do sol para o nascimento de Jesus foi apenas uma questão de ajuste.
As primeiras manifestações do Natal propriamente
cristão no dia 25 de dezembro remontam ao ano 354, como indica um manuscrito em Roma. Mais tarde, a data foi reconhecida
oficialmente pelo Papa Julius I (337
-352).
Para o padre jesuíta José Ivo Follmann, o rito
ou a simbologia central do Natal é
a recordação do nascimento de Jesus em Belém,
numa estrebaria, numa manjedoura, à margem da sociedade – ou seja, o presépio.
“Deus entra na história da humanidade à margem daqueles lugares onde ele seria
esperado”, afirma.
Nesse sentido, a pastora Cleide Schneider, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil,
acrescenta que o Natal é a celebração da “presença do Deus que
virou gente e habitou entre nós, como diz o texto bíblico”. “Jesus vem de uma
forma muito simples e humilde para indicar que também nas coisas humildes ali
Deus se manifesta”, afirma.
“Ele rompe fronteiras”, resume Pe.
José Ivo. E, por isso, também tem um alcance nas demais
crenças.
Um dos aspectos destacados também é a co-relação que permeia todas as
religiões. Mesmo que cada uma possua suas características próprias, algumas
celebrações acabam ultrapassando as fronteiras teológicas.
Esse é um dos pontos citados por Dejair
Rauber, ou Pai
Dejair de Ogum, do Africanismo.
Ele afirma que, devido ao sincretismo, durante muitos anos a religião africana
foi perseguida e marginalizada, e qualquer prática de outro culto, a não ser o
católico, era contravenção.
Então, com o tempo, a religião africana no Brasil passou a fazer algumas homenagens ao
Oxalá, que é o orixá respectivo a Jesus
Cristo no africanismo, especialmente no período do Natal, mesmo sem um cunho de festividade.
José Carlos Bandeira, trabalhador do Movimento Espírita, afirma que, apesar de não
comemorar a data, o espiritismo aproveita essa época para buscar a integração
com os “amigos espirituais elevados”, já que as pessoas melhoram sua condição
para se aproximar mais de Deus. “O que interessa é que, nesse momento, em
função da vibração mais elevada ao redor das pessoas, esses espíritos
superiores conseguem se aproximar mais do planeta. Então, nós somos até melhor
assistidos. É uma época mais privilegiada no ano, as pessoas são mais tocadas
de fraternidade, de amor”, comenta.
Segundo Bandeira, mesmo que não seja uma religião cristã,
o espiritismo concede a Jesus um
lugar privilegiado. “Uma das melhores respostas que nós encontramos no Livro dos Espíritos, é quando os espíritos
respondem a Kardec que o melhor modelo e guia da
humanidade é ‘Jesus’. Uma palavra só”, comenta.
Mesmo no Africanismo,
que sempre entendeu que as forças divinas estavam sempre misturadas ao humano, Cristo é aceito como uma divindade, explica Pai Dejair. “Apesar de a religião africana de raiz
não cultuar Jesus Cristo, aqui no Brasil o
povo de matriz africana passou a respeitá-lo, porque foi aqui que tivemos
conhecimento do cristianismo”, explica. Para Dolores
Dorneles, ou Mãe
Dolores de Bará Lodê, da Nação
Afro Cabinda, a celebração do Natal “é
a da união entre os povos, entre toda a nação”. E com a presença de Jesus, sim. “Para nós, ele é Oxalá, o pai maior de todas as religiões, tanto da
religião Afro, quanto da religião de Umbanda e a de Candomblé”.
Em Jesus, segundo Pe.
Follmann, é que está a grande radicalidade do Natal: “Deus que se faz alguém, um de nós, que
assume a nossa natureza humana, em todas as suas conseqüências. Tanto que
sofreu a morte violenta, porque a humanidade não conseguiu suportar esse tipo
de manifestação tão humana”, explica. Segundo ele, a figura de Jesus, seu jeito de ser, foi a revelação do ser
humano ao próprio ser humano.
E por isso foi rejeitado, porque a humanidade não estava preparada para
receber uma mensagem tão forte. “No fundo, o que está revelado no Natal? Que existe o lado divino da humanidade.
Deus se faz um de nós para mostrar que nós fazemos parte dele”, resume.
Em outras religiões não-cristãs, também existem festas que acompanham
esse período.
No Judaísmo, é o momento de celebrar a Chánuka (ou Hanukkah,
“dedicação" ou "inauguração”). O líder religioso da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência de Porto
Alegre, Guershon Kwasniewski, que
se prepara para o rabinato, explica que a celebração da Chánuka geralmente coincide com o Natal, mas que, enquanto conteúdo, não tem
relação. “Lembramos a vitória dos macabeus, pelo ano 168 a.C., contra o rei Antiocus, da Síria,
que tinha profanado o Templo de Jerusalém”,
explica. Ele conta que, quando os macabeus retomaram o templo profanado,
encontraram só um recipiente com óleo sagrado, que poderia manter o fogo
sagrado aceso por apenas um dia. E, por um milagre, esse óleo acabou durando
oito dias. “Por isso, hoje em dia, um candelabro de nove braços é aceso ao lado
das janelas nos lares judaicos para lembrar o milagre acontecido. O candelabro
é colocado junto à janela para também compartilhar a luz com os nossos
semelhantes”, comenta.
Segundo Kwasniewski, o Judaísmo reconhece
o Deus todo-poderoso, criador do universo, e as criaturas de Deus, os humanos.
“Portanto, nosso relacionamento com Deus é um relacionamento de parceiros para
continuar a sua obra de Criação”, diz. Nesse sentido, ele sugere que “o
espírito natalino deveria acompanhar as pessoas o ano todo e não ficar restrito
a dezembro. Dezembro – continua – é um período em que podemos resgatar o
paraíso: ninguém briga, todo mundo é cordial, as pessoas baixam menos nos
hospitais, ninguém quer ficar doente, ninguém quer perder as festas, todo mundo
se cumprimenta”. Para ele, é justamente isso que falta no resto do ano.
“Poderíamos espalhar um pouco dessa energia que se concentra agora nesta última
parte de dezembro”, aconselha.
E esse parece ser também o desejo dos demais religiosos. “Deveríamos
respeitar a fraternidade, o amor ao semelhante, tirar um pouco essa coisa
comercial”, comenta José Bandeira.
“As pessoas se reúnem para comer e beber e se esquecem de parar por alguns
minutos para agradecer. É o momento do aniversário. E qual é o presente que
Jesus gostaria de receber? É amor, é fraternidade entre os homens, entre os
seus irmãos”, diz. Para Bandeira,
é preciso lembrar-se de dar as mãos e “erguer os pensamentos numa prece de
agradecimento por essa oportunidade que Deus nos concedeu de ter uma pessoa
entre nós com um quilate desses que foi Jesus”.
Para a pastora Cleide, o Natal é um momento em que podemos resgatar
muito a partilha, a comunhão, o estar juntos, valorizando os sinais e momentos
pequenos de gratidão a Deus. “Não é preciso grandes festas, grandes presentes.
Mas a compreensão, o respeito, a solidariedade. Esse é o sentido próprio do
Natal, que já está bastante esquecido”, indica.
A mensagem do Natal, segundo Pe.
José Ivo, é não procurar Deus onde ele não se encontra e também
não tentar colocar Deus onde ele não se encontra. “Devemos estar atentos ao lugar
que Deus escolhe para entrar na humanidade, que é à margem, no meio daqueles
que são mais desprezados, daqueles que são mais excluídos. É ali que nós
encontramos o Deus que é vida, o Deus que é amor”, explica. “E não vamos
encontrar no meio da prepotência, no meio da riqueza, no meio da discriminação,
no meio da violência, no meio de tudo aquilo que estraga a vida. Deus está
presente onde há simplicidade, onde há serviço, onde há atenção às pessoas,
onde há amor, onde há respeito”.
E como uma verdadeira festa, o Natal não
é comemorado sozinho. “A grande lição do Natal é
esta: no nosso jeito de ser, nós também devemos procurar nos tornar presentes
para os outros, nos colocar a serviço dos outros”, comenta Pe. José Ivo.
De certa forma, é o que todas as crenças ensinam. Talvez, olhando
novamente para o presépio neste Natal,
para aquela imagem de um Deus que se faz criança pobre e rejeitada pelo mundo,
possamos reconhecer novamente o amor desse Deus que todas as religiões buscam
seguir. E acolhê-lo, para que nasça entre nós.
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