A Quaresma e Religiões de matriz africana
Há muito as religiões de matrizes africana romperam com as tradições do catolicismo no Brasil. Um fato ostensivo deste dessincretismo religioso é o rompimento definitivo de muitos terreiros do culto aos orixás com o chamado LOROGUM, em seus calendários religiosos.
Devido a muitos aspectos do sincretismo afro-católico no Brasil, os orixás (deidades do panteão africano) foram cultuados em formas paralelas aos santos do catolicismo, estabelecendo assim uma forma de os escravos enganarem aos seus senhores, dizendo estarem cultuando os santos católicos às suas formas, entretanto estavam mesmo era cultuando seus deuses.
Esta prática perdurou por muito tempo ainda após a Abolição da Escravatura, até que na cidade de Salvador (Estado de Bahia), mães-de-santo famosas promoveram um movimento que repercutiu em todo o país, em prol do reconhecimento do Candomblé como religião, e não como seita, ou parte do folclore brasileiro: “Ao público e ao povo do candomblé: deixamos pública nossa posição a respeito do fato de nossa religião não ser uma seita, uma prática animista primitiva. Consequentemente rejeitamos o sincretismo como fruto da nossa religião, desde que ele foi criado pela escravidão. . . Candomblé não é uma questão de opinião. É uma realidade religiosa...” (CAMPOS: 2003. P.106).
Tal manifesto ficou conhecido popularmente sob o slogan: Santa Bárbara não é Iansã, que procurava demonstrar ao povo-do-santo e ao leigo em geral, que os santos do catolicismo nada tinham em comum com os orixás.
Ao mesmo tempo, procuraram demonstrar que o negro/afro-descendente era tão fiel a suas raízes quando realizavam seus rituais nos terreiros como quando iam às missas nas igrejas católicas demonstrando assim sua fé ao catolicismo e também aos seus santos.
Uma dessas rupturas sincréticas logo assumidas, por terreiros antigos da cidade de Salvador e do recôncavo baiano, foi o ato de, durante todo o período da quaresma, cobrir os igbás, fetiches que simbolizam os assentamentos dos orixás, seguindo assim um modelo tipicamente católico, onde as imagens católicas são cobertas de tecidos roxos em respeito ao sofrimento e à agonia da Paixão de Cristo.
Dessa forma, tocava-se o LOROGUM (rito em que os orixás se despedem dos adeptos e neófitos como se partissem para a África, retornando somente no sábado de aleluia) e mantinham o silêncio e reduziam suas atividades religiosas em muito (apenas jogos-de-búzios, pequenos ebós e não se iniciava ninguém durante todo o período de quaresma).
Hoje o que se percebe na maioria dos terreiros, é um dessincretismo afro-católico em detrimento de uma reafricanização dos cultos, onde sacerdotes e sacerdotisas buscam cada vez mais ritos e semelhanças com os cultos ainda praticados em África Setentrional (Nigéria, Benin etc.), ficando assim cada vez mais distantes das reminiscências do catolicismo.
A Quaresma
Tendo adotado o festival pagão da primavera do Ishtar ou Páscoa na Igreja, naturalmente foi adotado também o antigo costume do “jejum” que precede o festival da primavera. Este período de quarenta dias antes da Páscoa é conhecido como “Quaresma”. Em épocas passadas, nestes quarenta dias eram levados através de lamentações, choros, jejum e martírios para o deus Tamuz – a fim de renovar seus favores – para que ele saísse do centro da terra, terminasse o inverno e causasse o início da primavera. De acordo com as antigas lendas, o deus Tamuz tinha quarenta anos quando foi morto por um porco selvagem. Assim que quarenta dias – um para cada ano que viveu na terra – foram escolhidos para “chorar pelo deus Tamuz”. A realização desse período em honra a este deus não era conhecida somente na Babilônia, mas também pelos fenícios, pelos egípcios e por uma época, inclusive entre o povo escolhido por Deus quando caiu em apostasia.
Quarenta dias de abstinência ou Quaresma era conhecido e praticado pelos adoradores do demônio no Curdistão, pelos que herdaram o costume da primavera de seus mestres, os babilônios. Este costume era conhecido também entre os pagãos mexicanos, os quais costumavam fazer “jejum de quarenta dias em homenagem ao sol”. “Entre os pagãos – disse Hislop – esta Quaresma parece ter sido indispensável antes do grande festival anual em memória da morte e ressurreição do deus Tamuz”.
Quando o paganismo e o cristianismo foram mesclados, pouco a pouco a Quaresma pagã foi unida à igreja que a praticava. Era alegado que isso servia para honrar a Cristo e não aos deuses pagãos. Durante o século 7, o papa instituiu oficialmente a Quaresma, chamando-a “Festa Sagrada” e sacramento [tornando oficial] ela ao povo, instituindo o ato de não comer carne durante este período.
Naturalmente, as pessoas que não entendem o mistério contido em tudo isto, pensam que o período da Quaresma e os dias de “abstenção” são de origem cristã. A verdade é que a Bíblia e a história antiga ensinam o contrário.
No catolicismo, na Quaresma, é comum encontrarmos imagens cobertas por mantos de cor roxa: sentido de penitência
A quaresma tem seu inicio na quarta-feira de cinzas e seu término ocorre na Sexta-feira santa, até a celebração da Missa da Ceia do Senhor Jesus Cristo com os doze apóstolos... os católicos realizam a preparação para a Páscoa. O período é reservado para a reflexão, a conversão espiritual. Ou seja, o católico deve se aproximar de Deus visando o crescimento espiritual. Os fiéis são convidados a fazerem uma comparação entre suas vidas e a mensagem cristã expressa nos Evangelhos. Esta comparação significa um recomeço, um renascimento para as questões espirituais e de crescimento pessoal. O cristão deve intensificar a prática dos princípios essenciais de sua fé com o objetivo de ser uma pessoa melhor e proporcionar o bem para os demais. A quaresma vai a até a páscoa quando o Senhor ressucita.Essencialmente, o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os cristãos se recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa. Assim, retomando questões espirituais, simbolicamente o cristão está renascendo, como Cristo. Todas as religiões têm períodos voltados à reflexão, eles fazem parte da disciplina religiosa. Cada doutrina religiosa tem seu calendário específico para seguir. A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa penitência. O roxo no tempo da quaresma não significa luto e sim simboliza que a igreja está se preparando espiritualmente para a grande festa da páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo.
Cerca de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com três dias de oração, meditação e jejum. Por volta do ano 350 d. C., a Igreja aumentou o tempo de preparação para quarenta dias. Assim surgiu a Quaresma.
Quarenta Dias
O tempo da quaresma é de quarenta dias, porém em dias corridos somam quarenta e sete pois, de acordo com o cristianismo, o domingo, que já é dedicado como o dia do Senhor, durante a quaresma não é contado. Após esse período, se inicia o Tríduo Pascal, que termina no Domingo de Páscoa. Na Bíblia, o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades. Portanto, a duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia. Nela, é relatada as passagens dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou a estada dos judeus no Egito, entre outras. Esses períodos vêm sempre antes de fatos importantes e se relacionam com a necessidade de ir criando um clima adequado e dirigindo o coração para algo que vai acontecer. Antes de iniciar sua vida pública, logo após ter sido batizado por João no rio Jordão, Jesus passou 40 dias no deserto. Esse retiro de Jesus mostra a necessidade que ele teve em se preparar para a missão que o esperava. Contam os Evangelhos que no deserto Jesus era conduzido pelo Espírito, o que quer significar que vivia em oração e recolhimento, discernindo a vontade de Deus para sua vida e como atuaria a partir de então. No tempo que passou no deserto Jesus teve uma profunda experiência de encontro com o Pai. E, tendo vivido intensamente esse encontro, foi tentado pelo diabo.As tentações que Jesus viveu são apresentadas como aquelas que também os cristãos precisam viver. É por isso então, que os cristãos realizam uma penitência de quarenta dias, chamada quaresma.
Práticas de reflexão
CatolicismoA religião católica é a que mais se identifica com a Quaresma, período em que os fiéis se preparam para a Páscoa e refletem sobre seus atos em relação ao próximo. Como forma de sacrifício, fazem jejum, especialmente de carne, e relembram a ressurreição de Cristo, para expiação dos pecados de todos os católicos.
Judeus
Na mesma época da Páscoa cristã, a religião judaica comemora o Pessach e lembra a libertação dos judeus escravizados no Egito, cerca de 1.400 anos a.C. Os judeus substituem os alimentos com fermento pelo matsá, pão feito apenas de farinha e água. O livro Hagadá é lido durante todo o período e, no jantar do Pessach, recordam os tempos de escravidão e a união do povo judeu.
Islâmicos
Os muçulmanos não comemoram a Páscoa, mas também reservam um mês para relembrar fatos históricos da religião. Entre julho e agosto deste ano, os muçulmanos realizarão o Ramadã para se lembrarem da revelação do livro sagrado “Alcorão” ao profeta Maomé. Durante esse mês especial, os muçulmanos praticam o jejum do nascer ao pôr do sol.
O Ramadã lembra muito a quaresma, mesmo que a quaresma seja mais simbólica o Ramadã é bastante disciplinado - eles devem acordar cedo, tomar seu café antes do nascer do sol, após disso não podem comer mais nada até depois do pôr-do-sol, dessa forma o jejum e abstinência devem durar entre o nascer e o pôr-do-sol.
O jejum para os muçulmanos é obrigatório para aqueles que chegam à puberdade, constituindo um momento importante na vida e uma marca simbólica na entrada na vida adulta. Não se pode jejuar quando: grávida, menstruada, enfermo ou quando a pessoa está viajando. Quando esses dias de jejum não são seguidos ou cumpridos devem ser feitos em outra ocasião, antes do próximo Ramadã.
BudistasPara o Budismo, a preparação da alma deve ser algo cotidiano, sem se limitar a datas específicas. A reflexão dos budistas é realizada por meio da meditação, geralmente num estado de concentração mental profunda. Os budistas acreditam que o ato de meditar garante bons pensamentos, que, consequentemente, geram mais bondade aos praticantes.
Evangélicos
Os evangélicos lembram que não só Jesus jejuou e se penitenciou por 40 dias. Eles citam Moisés, que subiu o Monte Sinai para receber as tábuas dos Dez Mandamentos e jejuou por igual período. Na religião evangélica, o jejum deve ser feito para o fortalecimento espiritual e não por força de uma data como a Quaresma.
Batistas
A Igreja Batista lembra o significado do número 40, presente em várias históricas bíblicas: o dilúvio vencido pela Arca de Noé durou 40 dias; Jesus permaneceu no deserto durante 40 dias e 40 noites; Davi reinou por 40 anos; e quatro décadas também foi o tempo da caminhada dos israelitas pelo deserto até a terra prometida.
Luteranos
Embora considere a Quaresma dentro de seu calendário litúrgico, a Igreja Evangélica Luterana não reserva à data qualquer ritual específico. Acontece, porém, de algumas congregações luteranas repetirem a Igreja Católica e colocarem cinzas sobre a cabeça do fiel, para que ele se lembre de se arrepender diariamente dos pecados.
Espíritas
O espiritismo não condiciona as atividades de seus fiéis a qualquer tipo de ritual litúrgico. Os espíritas buscam a prática da caridade como meio de modificação e melhoria espiritual. Para a religião espírita, a mudança do ser humano deve ser buscada constantemente e não apenas no período que antecede a Páscoa.
Religiões afro-brasileiras
Os fiéis das religiões afro-brasileiras praticam o jejum em dias de trabalhos espirituais e não limitam a prática somente ao período da Quaresma. Há muito as religiões de matriz africana romperam com as tradições do catolicismo no Brasil. Um fato ostensivo deste dessincretismo religioso é o rompimento definitivo de muitos terreiros do culto aos orixás com o chamado LOROGUM, em seus calendários religiosos.
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