por Erick Wolff
Trabalho publicado na Revista Olorun, n. 6, Outubro 2011.
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O Templo e a sua estrutura
Considera-se na cultura Afrosul que um indivíduo terá condições de administrar o
templo quando ele tiver os Ìgba-Òrìsà24, Búzios25, Facas26, Conhecimento e
Reconhecimento da comunidade religiosa a qual foi iniciado, devendo seguir uma
tradição e costumes pertencentes a uma vertente religiosa ou segmento religioso.
24 Ìgba-Òrìsà – Ìgba (vasilha ou cabaça), Ìgba-Òrìsà = vasilha ou recipiente que
agrega todo o utensilio ritualístico e sagrado da divindade.
25 Búzio – Caramujos usados para a adivinhação nos rituais Afro-brasileiros,
também muito comum usa-los para se comunicar com as divindades.
26 Facas – O iniciado recebe a faca para poder cortar para as divindades.
Tudo começa com a assimilação dos fundamentos de uma Nação, considerando a
tradição Yorùbá como base, ou seja, o Nàgó27 como referencia o nome ao qual os
Yorùbá são conhecidos no Brasil, assim como [...] Oranian tornou-se rei de Oyó e
soberano da nação iorubá é, de toda a terra. (Orixás - Verger pág 63) [...], demonstrando
a amplitude na formação de uma Nação e suas características, neste caso a cultura Nàgó
Afrosul, mais conhecida como Batuque e suas 4 raízes (Kanbina, Jeje, Iejsa e Oyo),
evidenciando acima a falta de elementos entre elas, para que possa levar a formação de
possíveis Nações, apesar da similaridade entre os nomes e as Nações Africanas.
Observando que a maioria das divindades do Batuque é cultuada em Òkúta28, um
costume Yorùbá, porem, o que é preciso informar que o Ìgba-Òrìsà desta cultura são
mais rústicos e simples, bem semelhantes aos encontrados na África, acompanhadas de
pequenas ferramentas.
Outro fator importante que deve ser comentado quando
mencionamos as divindades cultuadas no Batuque, que são praticamente as mesmas,
com os mesmos nomes em todas as quatros vertentes, o mesmo ocorre na forma de
tratar aquela divindades, mudando muito pouco na forma de sentar29 e ou preparar o
Òrìsà, salvo a Kanbina30 que acrescenta ao seu panteão algumas divindades que nas
demais não são cultuadas, porem nem por isso pode ser considerada uma nação
separada e distinta, simplesmente porque as principais divindades são as mesmas das
demais vertentes.
Entre todas as divindades cultuadas no templo, uma delas é considerada o centro de
todo o alicerce, desta derivam todos os festejos e principais datas, todas as demais
divindades estão submissas a esta e devem seguir os desejos e vontades da mesma. O
que é possível notar nesta cultura e nas demais vertentes das religiões Afro-brasileiras,
que todas seguem a estrutura de pequenas aldeias, as quais possuem um deus central e
mais algumas divindades que são cultuadas em segundo plano, porem habitam em
harmonia dentro do templo.
Esta estruturação religiosa ilustra um universo dentro de cada templo, representando um
mundo espiritual, regido por uma única divindade, observando que, apesar de Olorun
ser o criador e a divindade mais importante da cultura, mesmo assim, o trono é ocupado pela divindade a qual o dirigente foi iniciado, ocupando uma posição tão grande quanto a do próprio criador, seguida pelas demais divindades cultuadas por aquela cultura.
28 Òkúta – Pedra ritualística usada para representar o Òrìsà, costume yorùbá.
29 Sentar – termo popular usado pelos membros da cultura afro-brasileira para
expressar o ato de dar vida ou sacra um Ìgba-Òrìsà.
30 Kanbina – Uma das vertentes do Batuque Afrosul, vinculada ao culto de Sàngó, a
sua estrutura e atributos iremos trabalhar neste editorial. Um extrato da possível
formação desta cultura foi publicada na edição n° 5, A Entronação do Aláààfin e sua
conservação: a nação Kanbina, no Batuque Nàgó do Rio Grande do Sul.
O mesmo pode ser observado na pessoa do sacerdote que possui poderes para decidir o
que e como deve ser feito para as divindades da casa, além de ser responsável pelos
cortes, iniciações e consagrações, apenas os toques ficam a cargos do Alagbe
responsável pelo ritual da sala.
Oyè ou cargos na cultura Afrosul
O iniciado recebe seu Oyè com sete ou mais anos, vai depende muito da aplicação
daquele individuo e da sua familiarização com os rituais e iniciações. Independente do
Oyè deste indivíduo, ele poderá ser o Bàbá-Kekere31 ou Iyá-Kekere32 de quantos
afilhados for convidado a apadrinhar, reza a tradição da cultura Afrosul que o Àse33 está
na mão de quem corta, passando assim diretamente o Àse para o iniciado, o mesmo
ocorre com o Bàbá-Kekere ou Iyá-Kekere do iniciado, que ao segurar as aves será
responsável pelo Àse que está sendo passado, já o iniciado tem o direito de escolhe um
Bàbá-Kekere ou Iyá-Kekere para apadrinhar e ser o responsável de criar e ajudar toda
vez que o sacerdote não estiver presente, por isso o cargo de Bàbá-Kekere ou Iyá-
Kekere é dado à pessoas de muita confiança.
Os demais cargos conhecido na restante da cultura Afro-brasileira não são reconhecidos,
justamente por não ter fundamento ou necessidade nos rituais do Nàgó Afrosul.
E o cargo de Bàbálòrìsà34 ou Ìyálòrìsà35, são os principais em todos os segmentos,
diferente dos cargos de Bàbálawo36 ou Olowo37 não existem na cultura Nàgó afrosul,
pois pertence à cultura de Ifá e ou Candomblé, por isso, não havendo vínculos com o
sistema de Ifá não existe estes cargos.
31 Bàbá-Kekere – A tradução correta seria tio, ou o segundo pai, porem pode ser
usado como padrinho ou muito conhecido como pai pequeno.
32 Iyá-Kekere – A tradução correta seria tia, ou a segunda mãe, porem pode ser
usado como madrinha ou muito conhecido como mãe pequena.
33 Àse – Força ou poder.
34 Bàbálòrìsà – Pai de Òrìsà, este pode entrar em transe ou não depende da
vontade da divindade ao qual foi iniciado desejar manifestar em transe ou não.
35 Iyálòrìsà – Mãe de Òrìsà, idem ao Bàbálòrìsà.
36 Bàbálawo – Pai adivinho, não rodante, ou seja, não entra em transe, iniciado na
cultura de Ifá.
37 Olowo – Adivinho, não rodante, ou seja, não entra em transe, iniciado na
cultura de Ifá.
Note que na cultura do Nàgó Afrosul, não existe a necessidade do transe, como acontece
no Candomblé38, onde o iniciado para se tornar um Bàbálòrìsà devera entrar no transe
do seu Òrìsà. Diferente do Candomblé tradicional o Nàgó Afrosul, não exige que o
iniciado entre em transe.
Ìgba e sacrifício
O sacrifício de animais no Nàgó Afrosul, a imolação de animais no culto é
indispensável, simplesmente porque existe toda uma ritualística e cerimonial para
preparar a carne que deve ser consumida pelos adeptos, isso se dá pelo fato desta cultura
não comprar carne no açougue e ou mercado para consumo, desta forma, existe todo um
preceito e ritual para que o abate seja feito, consequentemente o que seria dispensado
como o sangue e as penas, muitas vezes são aproveitados, não desperdiçando nada, ou
quase nada é desperdiçado.
Referente ao Ejé39 no ritual, ele deve cair direto na cabeça do iniciado e ou em cima dos
Ìgba40, diferente do tradicional Candomblé que o Ejé é aparado numa bacia com folhas
maceradas, antes de ser depositados no Ìgba ou em cima do iniciado. O que deve ter
feito com que as folhas perdessem o papel de mistura-se no Ejé, ficando restrita apenas
á alguns rituais e ou fazer parte do Ìgba na hora do sacrifício.
Um detalhe importante é que na cultura Nàgó Afrosul, costumam separar as aves
para os Òrìsà conforme as cores das penas, que devem cobrir os Ìgba, um procedimento
que ajuda a identificar as divindades nos Ìgba usados, claro que não seria o único
fundamento, algumas penas das asas são colocadas no Ìgba simbolizando que as
mesmas levem as oferendas para o Deuses Yorùbás cultuados nesta cultura.
Será muito comum encontrar num templo do Nàgó Afrosul Ìgba de todos as
divindades cultuadas, na rua Bará, Ògún e Oya, para a família Kanbina sentam o Legba,
Zina e Kamuka, seguindo das divindades Bará, Ògún, Oya, Sàngó, Odé, Otim, Oba,
Òsanyìn, Xapanã, Òsún, Yemonjá e Òòsàálá, no Yara-bo41, conceito deste povo
acreditando que para o sacerdote para poder iniciar um filho de uma destas
divindades, ele necessita de ter esta divindade senta.
38 Candomblé – Uma das vertentes da cultura Afro-brasileira, para o culto ao
Òrìsà.
39 Ejé – Sangue.
40 Ìgba – cabaça e ou vasilha usada para aparar o sangue e ou portar alguns
utensílios que fazem parte do ritual.
41 Yara-bo – Quarto sagrado para guardar e fazer os sacrifícios para ìgba-Òrìsà e
até mesmo guarda-los.
O tabu de não comentar sobre o transe da divindade, chamado de ocupação42
Provavelmente este tabu, foi o que manteve esta cultura protegida da
modernidade, fazendo com que preservasse as divindades envoltas do mistério e da
magia da cultura, evitando assim fotos de mau gosto revelando segredos e costumes
desta cultura.
Durante o transe a divindade deve retirar da memoria tudo o que aconteceu, chamado da
ocupação, desta forma é evita-se comentar que aquele iniciado passou por um transe,
desta forma acredita-se que a divindade poderá levar o cansaço, criando um lapso de
tempo apagando da mente tudo o que aconteceu. Desta forma cria certa dificuldade de
estudar mais a fundo a ocupação no Nàgó Afrosul, diferente do Candomblé que todos
sabem que as divindades se manifestam, alguns até participam conscientemente de tudo.
Provas e testes
Por muitos anos houve provas nos salões, àqueles iniciados que entravam no
transe, quando ocupado pela divindade, passavam por testes aos qual um iniciado
acordado não passaria. Já nas provas era comum ver as próprias divindades se
oferecendo para o teste.
O Àse da fala
É uma passagem muito especial para a divindade que foi iniciada na cabeça do
individuo, depois de algum tempo após a feitura, será preparado um Àse (geralmente
comidas) com vários elementos para que a divindade passe e prove que tem o direito de
poder falar, claro que não esta fala não abre precedentes para sair conversando, apenas
para que possam tirar um Orin43 e ou solicitar algo, conforme a necessidade,
procedimento feito em todas as quatro vertentes religiosas do Nàgó Afrosul.
O Asero
Os antigos membros do Nàgó Afrosul consideravam que o Asero era o próprio
Òrìsà, se portando como criança, porem meio contraditório, afinal qual a necessidade, se
é possível observar que uma divindade possui poder de retirar a dor, memória e cansaço
do iniciado, porque seria preciso se transformar num Asero? Quando ele possui mais
poder do que o Asero, ou melhor, ele ainda passaria a fazer gracinhas e se com trejeitos
de crianças, falando errado e fazendo algumas gracinhas, meio contraditório para uma
divindade, diante de tanto poder e respeito.
Outros membros da cultura do Nàgó Afrosul, diziam que seria metade o Òrìsà,
metade o cavalo de santo, mas se fosse verdade quando ele estaria em Asero, ele teria
consciência da existência do Òrìsà e saberia que se ocupa, já que é metade iniciado,
metade Òrìsà.
42 Ocupação – Diferente do tradicional Candomblé a ocupação chega a tomar a
consciência do iniciado, a maioria dos que passam por este transe não sabem da
existência do transe com a divindade. Um dos fatores que dificulta o estudo desta
cultura, afinal se o indivíduo não sabe que se ocupa como é possível questionar sobre a
ocupação?
43 Orin – Cantigas entoadas durantes os rituais.
Desta forma, se um Òrìsà não possui permissão para falar perante a comunidade,
até que ele receba a “Fala”, se ele fosse o próprio Òrìsà, ele estaria quebrando uma
ordem, afinal ele é proibido de abrir a boca, podendo apenas dar o seu Igbe'hun44, nada
mais além. Sendo assim ele estaria contrariando uma ordem sob a pena de grandes
consequências.
Foi então que resolvemos procurar saber dos próprios Asero, quem realmente
seriam eles, as respostas foram muito interessantes, a maioria dos Asero quando
perguntado quem eram eles diziam ser o próprio Òrìsà, porém ao sabatina-los fomos
descobrindo alguns fatores importantes como:
O Asero de um Òrìsà de Ògún45, com mais de 25 anos de feitura, um de seus
filhos perguntou, quem ele realmente era, orientamos para que assim que respondesse,
fosse questionado as duvidas postadas acima, a resposta foi direta e muito clara.
Asero de Ògún - Diga ao boneco46, que eu sou eu o Ògún é Ògún. – respondeu.
Ao comentar com seu filho, sobre os Asero, ele comentou que o mesmo sempre
reclamava para o Ògún, para não deixar as entidades darem passagem, isso quando
estavam pedindo uma sessão de Umbanda no templo. Observe que o Asero pedia para
Ògún, para que uma entidade não desse passagem, desta forma se o Asero é o Òrìsà, porque ele precisaria pedir para o Òrìsà para não deixar uma entidade da Umbanda
passar?
Asero de Sàngó – Eu sou eu e o Òrìsà é o Òrìsà – respondeu.
Estes dois depoimentos foram os relatos dos próprios Asero da religião.
Estes dois depoimentos foram os relatos dos próprios Asero da religião.
45 Asero de um Òrìsà de Ògún – Iremos preservar alguns dados pela necessidade
de manter a identidade do iniciado em segredo, seguindo as normas do tabu de não
falar sobre a ocupação do iniciado.
46 Boneco – Não foi revelada a origem da pesquisa, mesmo assim, ele sabia da
minha existência.
E finalmente observando que assim que a divindades vai embora, deixa o Asero,
e quando o Asero deseja ir embora o Òrìsà volta e dá o seu Igbe'hun. Isso fez com que
observássemos uma duplicidade ou não seria preciso esta passagem do Asero para o
Òrìsà, criando uma autonomia entre eles. Isso ocorre em três vertentes do Nàgó Afrosul,
Kanbina, Jeje e Ijesa, apenas a Oyo [fonte – Gilson de Oba] que não existe esta
passagem e a manifestação do Asero, ficando a cargo para as divindades fazerem as
tarefas que os Asero geralmente fazem quando se manifestam.
Roda de santo ou Sire47
A Roda de Òrìsà é um costume quando os iniciados se reúnem para comemorar
durante os rituais em todas as vertentes Afro-brasileiras, a mesma segue o sentido antihorário,
isso porque o tempo das divindades não é o mesmo que nós mortais, ou seja a
realidade metafísica deles difere da nossa, já a roda inverte nos rituais fúnebres, neste
caso, está lidando ao tempo dos seres humanos. Em todas as rodas de Òrìsà da cultura
Afrosul, são parecidas, apenas a roda Jeje difere em alguns momentos, algumas casas
ficam depostos um de frente ao outro dançando e ou dançam em pares.
47 Sire – Nome dado à roda de Òrìsà.
O ritual para despachar o Èkomi é feito de regra às portas fechadas, no Nàgó’Kòbì,
com poucos convidados, podendo ou não ter algumas divindades presentes na Ilé50,
caso cheguem durante as rezas. Fora este costume, o ritual para despachar o
Èkomi acontecerá num dia de festa grande, após a reza do Xapanã. Mesmo assim o
48 Èkomi – Preparado de segurança da casa, para afastar os males, idêntico Pàdé
de Èsù, o que diferen é a preparação que é a base de Omi (água), Epo Pupa (azeite de
dendê) e Gbaguda (farinha de mandioca crua), misturados numa vasilha de barro.
49 Lodè – Bará da rua ou lado de fora, nome do próprio Òrìsà.
50 Ilé – Casa ou templo.
Èkomi procede nas quatro vertentes do Nàgó Afrosul (Kanbina, Jeje, Ijesa e Oyo),
ambas seguem o mesmo procedimento na hora de despachar. Este ritual é
ministrado com divindades em terra e todas auxiliam, podendo ter ajuda de alguns
membros da casa que tenham seu Oyè.
...fim Parte 3...
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