sábado, 2 de junho de 2012

Quizilas - Preceitos e Rituais.


No que diz respeito à relação entre tabus alimentares dos orixás e proibições impostas a seus filhos a partir dos mitos africanos, é compreensível que, devido à proibição de “comer do mesmo material de que a cabeça é feita”, não se deva usar alimento algum que constitui oferenda votiva do orixá dono da cabeça.

O que mais chama a atenção é a universal proibição do sangue. “O sangue”, escreve Lépine (1982, p. 33), “é um poderoso veículo do axé, que deverá restituir aos orixás a força que despendem neste mundo e à qual devemos a existência”.

Na matança, sangra-se o animal até a última gota. É através do sangue que, na cerimónia de assentamento, se estabelece a ligação entre a cabeça do iniciado, partes do seu corpo, e a pedra na qual o orixá se faz presente, do mesmo modo que a água, fonte e origem da vida, é repetidamente vertida em todas as cerimónias propiciatórias e iniciáticas, por representar a fluida substancia de toda criação, o derramamento do sangue dos animais de dois ou quatro pés expressa a própria essência do sacrifício, pois junto com o sangue corre a vida. A água é origem, o sangue, circulação.

As trocas reparadoras de axé incluem forçosamente, portanto, a realização do sacrifício.

Nessa perspectiva, fica obvia a necessidade de proibir-se a ingestão de sangue (sob qualquer forma que seja, e nisso podemos incluir os miúdos, a fressura, sangue “compactado”por assim dizer) aos filhos de tudo quanto é orixá. É substancia por demais poderosa para ser ingerida em situações profanas.

“Tudo o que o orixá come faz bem ao filho, tanto que quando ele oferece a comida tem que comer junto, para que ele não se ofenda. Mas às vezes, fora do ilê orixá, é tabu“. Ou seja, o filho deve e não deve comer. Nessa informação, fica claro que a interdição está ligada à situação, ou melhor dizendo, parece que o próprio da proibição é delimitar dois espaços, rigorosamente separados, que o momento do ritual permite juntar, e até mesmo, tornar permeáveis.

É pela mediação do ritual, repetido inúmeras vezes no decorrer do tempo, que se abre o espaço sagrado. Na vida cotidiana do filho de santo, é proibido desfrutar as mesmas comidas que alimentam o orixá. Se desobedecer, “faz mal”.

Na casa do orixá, a ingestão de comidas votivas é não apenas permitida, mas sim obrigatória. É imprescindível participar do banquete sagrado. Se, naquele momento, o filho não comer do mesmo material de que sua cabeça é feita, o orixá oferecer-se-á. Ou, como já ouvi dizer, na hora da oferenda, “a gente precisa comer, que é para ele ver que não tem veneno”. esse comentário aparentemente jocoso é bastante elucidativo.

Não é somente o ilê orixá, espaço sagrado e portanto preservado, que garante a não nocividade da comida de santo para o iniciado, é também o adepto que, por sua vez, se torna fiador, junto ao orixá, da excelência da comida que lhe é oferecida.

Comer alimentos sagrados como bem sabiam os sacerdotes hebreus, é assegurar a sacralização do próprio corpo. No ilê orixá, o iniciado participa do banquete dos deuses, nutre-se do mesmo material de que é feita a sua cabeça, reforça a sua identidade como parente de determinada divindade. Fora do espaço sagrado, é-lhe proibido ingerir essas mesmas substâncias.

Mas o seu corpo também é um espaço, que pelo cumprimento dos preceitos é constantemente mantido em condições de se tornar receptáculo da divindade.

Por isso tem de abster-se de ingerir comidas rejeitadas pelo seu orixá, e até mesmo aproximar-se delas. Quebrar quizila, nessa perspectiva, é praticamente uma autodestruição. Faz mal. A pessoa adoece. Mas, ao mesmo tempo, pode-se aplicar à construção do corpo a mesma visão dialéctica que se foi afirmado com tanta nitidez em relação à construção do mundo. Aqui também a transgressão destrói e reforça limites, de modo realmente tangível, porque passam pelo corpo, e simbólico também, pois redundam na afirmação de identidade mítica.

A equivalência dos nomes dos voduns jejes com os orixás nagôs foi estabelecida baseando-se em Araújo (1984, p.40).
(Culto aos Orixás, Voduns e Ancestrais nas Religiões Afro-brasileiras, 2004, p.190/193).


Outras quizilas são:

Não pular corda ou fio que segura o animal a ser sacrificado;
Não deixar passar com fogo em suas costas;
Não falar com ninguém em jejum;
Não passar debaixo de escada;
Não comer peixe de pele;
Não comer Caranguejo;
Não comer Siri;
Não comer Cajá;
Não comer Carambola;
Não varrer a casa a noite;
Não pregar botões em roupa no corpo;
Não comer de aves: cabeça, pés e pontas de asas;
Não comer Amoras;
Não jure pelo seu Orixá;
Não ir ao Cemitério quando de Kele;
Não comer raspa de panela......etc.

Um comentário:

  1. ola gostaria de saber se essa proibição se refere somente ao orixá de cabeça da pessoa ou tbm referece ao ajuntó e as escravidões tbm obrigada desde ja!!!

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