domingo, 16 de outubro de 2011

Dança no Batuque I

PORQUE A DANÇA NO BATUQUE

DANÇA, RESGATE CULTURAL E APRENDIZADO

A dança africana é uma forma de expressão artística muito complexa, inserida num contexto dentro da sociedade africana e afro-descendente mundial. Sua força, beleza e vigor podem ser sentidos tanto no sapateado Muchongoyo de Zimbabwe, nas danças de máscaras Geledé na Nigéria, no samba e capoeira do Brasil, na rumba Cubana, nas danças dos saltitantes Zulus. A magia que une essas danças de lugares e povos tão diferentes pode ser chamada de um instinto de comunhão que une a raça negra espalhada pelo planeta, através de um vínculo ancestral por memória, epopéia e tradição oral.

No Brasil coube, inicialmente ao Candomblé, preservar a maior parte das danças sagradas africanas. No culto religioso a dança possui um papel fundamental, pois é ela que RELIGA o homem ao SEU LADO DIVINO, é a dança que leva a uma compreensão e comunhão com a Natureza, a Vida.

Existem duas correntes básicas que tentam explicar o aparecimento dos Orixás. Uma delas remonta a criação do Universo, a outra narra que os Orixás foram seres importantes, donos de grande poder em vida, que morreram de maneira incomum, tomando o caráter de um dos elementos da natureza. O Orixá Xangô foi Rei de Oyó, o Orixá Oxóssi, rei de Ketu.

Nas danças os Orixás mostram seu poder e suas estórias através dos movimentos:

• Xangô, deus do fogo e da justiça, pode dançar com seu oxê, um machado de dupla ponta fazendo justiça na terra ou com o fogo que gera a vida;

• Os braços de Oxóssi, deus da caça, assemelham-se a flechas e suas pernas parecem cavalgar enquanto caça o alimento para a subsistência de seu povo;

• Oya-Iansã, deusa dos ventos e da magia, espalha os ventos com seus braços e saia, numa dança guerreira e sensual;

• Oxum, deusa da beleza do ouro e das águas doces, banha-se nas águas dos rios enquanto penteia-se balançando suas pulseiras e olhando-se no espelho;

• Iemanjá, deusa-mãe dos Orixás, a senhora do mar, segura seus filhos queridos nos braços;

• Nanã dança com o Ibiri carregando-o como se ninasse um bebê;

• Ogum, deus da guerra, da forja, segura suas duas espadas guerreiras em suas mãos: com a primeira mata seus inimigos, com a segunda limpa o sangue da primeira; etc.

A dança negra reverencia as origens através da repetição dos gestos ancestrais que foram passados de pai para filho, mantendo viva a ligação com os antepassados que praticaram os mesmos gestos.

A dança africana possui sete dimensões estéticas que podem ser percebidas inclusive em técnicas modernas que se inspiraram na dança tradicional:

o POLIRRITMIA – mostra que cada parte do corpo movimenta-se com um ritmo e com uma forma diferente, proporcionando o conhecimento do ritmo próprio e variante de cada aspecto da natureza.

o POLICENTRISMO – indica que há vários centros no corpo humano que dão impulso à dança, assim como no Universo existem vários centros energéticos.

o CURVILINEARIDADE – encontrada em várias danças e em vários movimentos, uma vez que ao círculo é conferido o poder sobrenatural, criando a estabilidade fora do tempo.

o DIMENSIONALIDADE – é entendida como a possibilidade de exprimir as várias camadas dos sentidos: olhar, ouvir que seria o lado externo dos movimentos ligados com uma outra dimensão mais interna e espiritual, sintetizada pela parte central do corpo.

o REPETIÇÃO – como forma de intensificar e provocar o caráter de atemporalidade, quando o gesto permanece o mesmo apesar do passar dos anos, e de continuação destes gestos no futuro.

o ASPECTO HOLÍSTICO – na dança os movimentos, as partes do corpo utilizadas, as roupas vestidas, a música, cada elemento têm um sentido próprio, porém juntos simbolizam algo outro. Uma dança realizada para uma simples diversão também pode remeter a outra coisa, numa corrente simbólica infinita.

o MEMÓRIA ÉPICA – é a história da tradição e da antiga harmonia da natureza, da época na qual não existiam diferenças, nem separações. Memória que têm que ser lembrada e fortalecida. (Asante; 1996:71)

A dança tradicional africana gerou técnicas precisas de aprendizado na dança como a técnica de Katherine Dunham - baseada no folclore haitiano, Mundalai, o Jazz Norte-Americano e o Street Dance.

No Brasil, a dança negra não está mais vinculada apenas ao Candomblé. A capoeira,samba, axé, os blocos de afoxé e carnavalescos bebem nas águas da dança tradicional e religiosa africana.

A dança no candomblé é um dos caminhos que reintegra a energia cósmica do devoto ao seu Orixá de origem, portanto ao Orum, morada dos deuses que um dia de lá partiram para criar o nosso mundo, o Aiê.

O candomblé è uma das religiões afro-brasileiras que mais manteve as características de uma religião africana: a adivinhação, o sacrificio/oferenda, o transe e a dança com a musica. Salvador de Bahia é considerada no Brasil o berço desta religião pela quantidade de população de origine africanas que vive na cidade e no estado, o 80% das pessoas é descendente dos escravos que foram deportados nos séculos passados nesta região. Existem mais de oito mil terreiros, casas, de candomblé só na cidade de Salvador, por isso a cidade foi chamada a Roma negra por uma grande mãe de santo, a finada Mãe Aninha que fundou em 1910 um dos mais tradicionais terreiros da Bahia, o Axé Opó Afonjá.

A pesar da discussão entre estudiosos sobre a colocação do candomblé nas religiões politeístas, existe um grande debate sobre este assunto, pois muitos antropólogos acham ser um tipo de monoteísmo (Carneiro, 1947), existe um principio primo, Olorum ou Olodumarê que originou a terra. Os orixás foram enviados por ele para construir a terra, a natureza e os seres humanos. Por causa de uma interdição não respeitada, os dois mundos o aiyê, a terra, e o orum, o mundo dos espíritos, foram separados, mas por causa da tristeza dos seres humanos e dos deuses que não podiam mais se encontrar, teve origine o candomblé com a finalidade de juntar de novo os dois mundos nas festas que periodicamente são organizadas para os orixás.

As culturas tradicionais não-ocidentais e as culturas minoritárias européias propõem o corpo em um sentido simbólico, não no sentido da psicanálise que fala dos símbolos para sublinhar uma outra separação, aquela entre consciente e inconsciente, mas no sentido de eliminar a fronteira que separou a alma do corpo, colocando-os junto. (Galimberti, 1993:13).

A África, o oriente, as culturas indígenas, as culturas mediterrâneas colocaram sempre uma grande atenção e cuidado ao corpo percebendo-o como um todo em relação com o mundo no qual vive. Por isso durante o transe o corpo da filha ou filho-de-santo torna-se o próprio orixá superando a dicotomia cartesiana corpo/espirito, forma/conteúdo.

Mas esse corpo além de experiência vivida é também uma superfície de escritura, no qual a sociedade escreve o texto das suas leis. Cada cicatriz, cada enfeite é um traço inapagável, um sinal que faz do corpo uma memória. Por isso as sociedades não-ocidentais iniciavam e iniciam os adolescentes ou os seus membros à vida social da comunidade com vários tipos de rituais, desenhando ou marcando o corpo com pinturas ou incisões, porque o corpo tem que ter o sinal do grupo, o traço da passagem da juventude à maior idade ou da entrada em um grupo esotérico.

Por isso a estética ritual possui uma importância fundamental seja na preparação da festa, seja nos trajes litúrgicos. É uma estética padronizada em modelos fixos e transmitidos no tempo que nos falam da história e da memória do grupo. A arte ritual funciona como representação do invisível, sendo o seu objetivo aquilo de chamar as forças imateriais.

Arte e religião

As civilizações africanas são caracterizadas por uma visão holística e simbólica da vida. Cada ser vivente e não é ligado ao outro numa corrente infinita de sentidos nos quais cada elemento existe em função do outro, participando assim à dinâmica do cosmo, em uma eterna procura e restabelecimento de harmonia e de equilíbrio.

É só a arte que tem o poder de traduzir com as formas o sagrado. Como sugere Marchiano (1977:217):

“A forma...., é o único meio humano que permite a transcendência) do nível sensível, a não identificação com aquilo que muda, a conversão do estético no teorético”.

Na tradição do candomblé, o conceito do belo ocidental não existe, mas como sublinha Luz (1995), os Nagô definem o belo com a palavra odara, que significa bom, útil e bonito. Esteticamente um ser humano ou um objeto é belo porque traz consigo uma determinada qualidade e quantidade de axé e realiza assim uma comunicação entre ele e a comunidade.

Os estudiosos da arte e das civilizações africanas, como a historiadora Welsh Asante (1985) e Thompson (1974) reconhecem na dinâmica o aspecto mais importante e profundo da estética dessas culturas, seja na dança, seja na arte visível e gráfica. A dinâmica é um dos conceitos fundamentais da ontologia africana para a qual existe a possibilidade da mudança e da transformação na vida por meio da comunicação com o mundo espiritual, aquele dos orixás.

Outro conceito fundamental na filosofia da existência africana é a importância do grupo, para que a comunidade viva cada fiel deve participar seguindo o papel que lhe pertence a nível espiritual e terreno.

Welsh Asante explica os critérios estéticos das artes africanas subjacentes a dança e a música. Primeiro entre todos a polirritmia: cada parte do corpo movimenta-se com um ritmo diferente, os pés seguem a base musical, acompanhados pelos braços que equilibram o balanço dos pés. O corpo pode ser comparado a uma orquestra que, tocando vários instrumentos, harmoniza-os numa única sinfonia. Outra característica fundamental é o policentrismo que indica a existência no corpo e na musica de vários centros energéticos, assim como acontece no cosmo.

A dança africana é um texto formado por várias camadas de sentidos. Esta dimensionalidade é entendida como a possibilidade de exprimir através e para todos os sentidos. No momento que a sacerdotisa dança para Oxum, ela está criando a água doce não só através do movimento, mas através de todo o aparelho sensorial. A memória é o aspeto ontológico da estética africana. É a memória da tradição, da ancestralidade e do antigo equilíbrio da natureza, da época na qual não existiam diferenças, nem separação entre o mundo dos seres humanos e os dos deuses. A relevância da obra artística é dada pela transmissão da harmonia, que liga algo dentro e algo fora, o corpo e o espírito, a natureza e o homem. Mas sem a inspiração divina o escultor, o dançarino, o musico não poderiam criar o "momento artístico-religioso".

A repetição do padrão-musical, não é uma simples repetição, mas a criação daquela energia que os fieis estão invocando. A repetição dos movimentos produz o efeito da intensificação que leva ao encontro com a divindade, facilmente observado nos rituais. O mesmo ato ou gesto é praticado num número infinito de vezes, para dar à ação um caráter de atemporalidade, de continuação e de criação continua. Outra característica é a ligação com a terra, vivenciada como elemento materno. Nas danças africanas o contato contínuo dos pés nus com a terra é fundamental para absorver as energias que deste lugar se propagam e para enfatizar a vida que tem que ser vivida agora e neste lugar, ao contrario das danças ocidentais performadas sobre as pontas a testemunhar a vontade de deixar este mundo para alcançar um “outro”.

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