Algumas das oferendas, naturalmente adaptadas a realidade brasileira, são:
- galinhada (arroz com galinha) para Eégún junto com Kamuká,
- arroz com couve para o Legba,
- arroz com linguiça para a Zina, considerada a esposa do Legba, de origem Djedje cultuada entre os Kanbina como um Òrìsà, porem assentada no vulto também, considerada o anjo da morte e solidão.
- Podem ser oferecidos muitos outros tipos de oferendas para o ritual do Arissum.
Alem do Arissum, a Missa dos Eégún e outro ponto forte na ritualística da Kanbina, pois
aqueles que possuem Igbalè, devem uma vez ao ano, fazer uma festa para eles, realizando sacrifícios e outras oferendas nesse local, fazendo uma roda e dança ao redor do assentamento do Kamuka, no meio do salão. Este procedimento e muito semelhante ao Arissum, só que, sem o Lailèmí. Também encontraremos o coletivo dos ancestrais, ou seja, os membros da religião homem e mulher sendo homenageados neste ritual.
O carneiro e um animal sacrificado para Sàngó, este mesmo animal que muitas vezes é oferecido na cultura Ioruba para Eégún.
As demais raízes do Batuque (Ijesa, Oyo e Jeje) não possuem o mesmo procedimento, pois no caso do falecimento de alguém da casa durante o período de obrigação, é necessário despachar tudo, e esperar o período de luto para começar tudo novamente, perdendo desta forma o material, sacrifícios e iniciação ou ritual.
Ao entrarmos num Yara-bo (quarto de adorar Òrìsà) de Kanbina, notaremos que existem varias prateleiras, e nestas, os Igbá-Òrìsà8 acomodadas na ordem e na mesma sequencia do Sire.
Entre todos os Igbá-Òrìsà, o de Sàngó (Agandju, Sogbo, Agodo, Dada ou Afonjá), e o único que deve estar sempre em cima de um pilão, por alguns motivos:
• estar em contato com a terra,
• estar em cima de um pilão de madeira,
• ficar na frente do Irúnmole9 (mesmo que o Òrìsà da casa seja outro).
Segundo os mitos da diáspora religiosa afro-gaucha, Sàngó Baru Kamuca é o rei de Kanbina e dos Eégún, dominando e regendo a todos, sendo assim todo e qualquer ritual de Òrìsà ou Eégún, esta divindade sempre estará presente.
7 Divindades cultuadas entre as vertentes religiosas referem-se a todos aqueles que vieram do Òrun e aqueles
que foram divinizados, o mesmo ser colocado como o todo ao qual e cultuado entre uma nação.
8 Pequenas vasilhas que agregam um Òkúta (pedra) ou vulto da divindade cultuada, com varias ferramentas
Atribuídas a determinada divindade e búzios.
9 O coletivo no Igbalè configura os ancestrais homens de um lado e as mulheres de outro, recebendo oferendas
e sacrifícios juntos sem distinguir a individualidade, apenas irão receber oferendas de animais de penas pertencentes aos quais foram iniciados, ou seja, eles recebem oferendas e sacrifícios semelhantes aos que foram feitos na sua iniciação, que foram convencionados pela cultura da Kanbina, no entanto, não são Òrìsà, muito menos escravos de Òrìsà, são considerados Eègún que pertencem ao Igbalè e são cultuados junto com os ancestrais (aqueles que geraram
espiritualmente o dirigente do templo e/ou os sacerdotes e sacerdotisas que deram inicio ao culto, estes respondem
como ancestrais, já numa postura e distinção de hierarquia, no entanto comungam com Eègún e no caso podem receber sacrifícios em cima do Àse do Sàngó Baru.
Por décadas o Brasil acreditou que Sàngó temia Eégún; mas como poderia temer Eégún, se o próprio Aláààfin era iniciado e coroado sob a proteção de Eégún e dos ancestrais, conforme vimos anteriormente em Johnson, e como esta diretamente ligado relacionado ao Igbalè, no ritual da Kanbina, no Batuque do Rio Grande do Sul.
NÀGÓ KÒBÌ: UMA HOMENAGEM A NACAO KANBINA
Devido ao Aláààfin descender diretamente de Okanbi, é perfeitamente justo atribuirmos-lhe o Oríkì (nome de louvor) Àkòbí Odùduwà, conforme demonstramos.
Mas este dado não é o mais importante para justificar a aplicação do titulo Nàgó Kòbì, a nação Kanbina.
O fato de esta nação possuir uma construção separada para o Kamuka, do lado de fora do
templo, vai de encontro, em África, com a arquitetura do Palácio do Aláààfin, que possui um quarto exterior, uma extensão da construção principal, chamado kòbì. Para relembrar, citaremos novamente Johnson: “[…] uma nova abertura é feita por ele na Aganju Kobi, através dela que ele entra no recinto interior do palácio. Esta entrada é para o seu uso exclusivo dentro e fora do Kobi durante o seu reinado: em sua morte é fechada. Nesta
entrada tem que oferecer em sacrifício um caracol, uma tartaruga, um tatu, um rato de campo (emó), um rato grande (okete), um sapo, um girino, um pombo, uma galinha, um carneiro, uma vaca, um cavalo, um homem e uma mulher, os dois últimos sendo enterrados no limiar da abertura; no sangue das vitimas e sobre o tumulo dos dois últimos, ele tem que caminhar para o átrio interior [...]”
Nàgó’Kòbí, titulo por ora aplicado a nação Kanbina, refere-se a sobrevivência da construção estendida que existe no palácio do Aláààfin, o kòbì, simbolizada na construção da “casinha de Kamuka”, o rei da Kanbina, uma construção também estendida ao quarto-de-santo do Batuque do Rio Grande do Sul.
Para melhor evidenciar e justificar, vamos transcrever o verbete kòbì do dicionário Abraham, R.C. Dictionary of the Modern Ioruba, 1962, pg. 45:
kòbì – (1) [a]. uma extensão construída fora do palácio, para servir como quarto. [b] v. Aafin 4 L. (2) ~ agonjú. [a] trono-quarto onde o Aláààfin aparece. [b] v. Aafin 4 H. [c] o terceiro ou quarto kòbì, e para os músicos. [...]
Vamos verificar também as recomendações do verbete, no mesmo dicionário, a página 18:
Ààfin 4 H - […] Ele agora é um rei. Uma nova abertura é feita no kòbì-agonjú para ele entrar no recinto. Animais, um homem e uma mulher, foram sacrificados ali e enterrados na abertura. Sacrifício humano também será feito durante o enterro do Aláààfin. [...]
Ààfin 4 L – Funeral do Aláààfin - […] existem tantos kòbì dentro do Bàrà, tantos quantos forem os reis enterrados ali. [...] Chamamos a atenção que, a palavra Bàrà, acima, não tem nenhuma relação com Òrìsà Èsù ou Bará. Para que isso fique claro, vamos transcrever também o item 4 D, idem, idem.
Ààfin 4 D - A coroação acontece três meses após a morte do ultimo rei. Este dia é chamado “o dia da visita ao Bara”. O Bàrà e um mausoléu real, e esta sob a custodia da sacerdotisa Ìyámondè.
No ritual da Kanbina, quando um sacerdote de uma casa falece, após 32 dias joga-se para ver qual procedimento devera ser tomado em relação a casa-de-santo e aos iniciados por ele. Somente após três meses é que devera ser feito qualquer ritual para retirada da mão do antigo sacerdote.
Conforme demonstrado, é clara a evidencia de que a nação Kanbina tenha sua origem no
Alafinato Ioruba, ao invés de ser uma sobrevivência banto, como se acredita. Assim, em
homenagem a esta nação, nós a reverenciamos como a nação Nàgó’Kòbí, por ter, conforme acreditamos, seus rituais, diretamente ligados, primordialmente e primogenitariamente, ao Alafinato através de Kamuka.
Um dado geográfico que vai de encontro ao propósito deste texto, é o Parque Nacional Kamuka (também chamado de Kamuku) ao norte de Oyo. Williams (1998, p. 292) assim o descreve: “Parque Nacional Kamuka, 125km a oeste de Kaduna, próximo a cidade BirninGwari. O portão do parque é 23km ao sul saindo da rodovia Lagos-Kaduna, próximo a Dagara. Kamuka cobre uma área de 1.121m2 de bosque e pântanos; foi noticiada como um parque nacional em 1999, a partir de uma área de reserva florestal, recebendo o nome de um grupo étnico local. [...]” Yakan (1999, p. 396) informa que: “Os Kamuku são povos do Oeste Africano. Eles estão concentrados, na área central oeste da Nigéria, particularmente no estado de Kwara”. Também Bascom (1991, p. 3) escrevendo sobre a Divinação de Ifa, acrescenta que “Os Kamuku são povos vizinhos, na província Niger, norte da Nigéria. Entre os Kamuku, para se prever o futuro, ervilhas são chacoalhadas dentro de uma carapaça de tartaruga, e colhidas com a mão direita ou esquerda. Elas são contadas, e de acordo com a quantidade colhida, marcas são feitas no solo. Este processo e repetido oito vezes”. Um hotel nigeriano próximo a região do Parque Nacional Kamuka, mantém um portal na internet, onde se vê clara citação a este parque nigeriano, como um dos pontos turísticos.
As Nações do Batuque
Este estudo da nação Kambina leva-nos a outro ponto que fica para ser estudado num próximo trabalho, e o conceito de nação no Batuque, uma vez, neste quesito, ele diverge das demais vertentes afro-brasileiras.
O Batuque se divide em quatro nações, a saber, Kanbina, Jeje, Ijesa e Oyo. Entretanto, há
poucos elementos de diferenciação que possam distinguir uma nação, de outra. Isto nos permite repensar o conceito de nação no Batuque, pois devido a similaridade de ritos e cultos, o próprio Batuque forma uma única “Nação” afro-sul, com quatro denominações, lados, ou raízes, mas que possuem o mesmo ritual litúrgico, divindades e cantigas, com poucas mudanças significativas.
CONCLUSAO
Este trabalho teve o objetivo de estudar, não só a sobrevivência dos costumes do Alafinato
Ioruba, como também demonstrar que nação Kanbina, por seus rituais, esta muito mais relacionada com os Ioruba, do que com os bantos.
Devido ao foco direcionado deste texto, pode o leitor ser induzido a pensar que a Kanbina e um culto de Eégún... não, não é. A nação Kanbina é voltada ao culto de Òrìsà, como todas as outras, apenas tem um ritual de Eégún diferenciado, que a caracteriza das demais, cujos ritos demonstram uma sobrevivência do Alafinato Ioruba.
Vimos que, ao estudar os ritos da nação Kanbina, criamos um paralelo entre os costumes Ioruba, para entronação do Aláààfin, e o culto de Kamuka, rei desta nação, no Batuque do Rio Grande do Sul.
Apresentamos a definição de Aláààfin, e como ele é escolhido, mostrando os costumes Ioruba com relação aos sacrifícios humanos, e a proteção a Eègún, na sua coroação.
Observamos na cultura Ioruba os pontos que a ligam a nação Kanbina, encontramos
Informações que vão além de coincidências, existindo muitas evidencias que nos levam a crer que as origens desta nação, estão ligadas ao Alafinato.
Mostramos que a palavra ioruba kobi refere-se a um quarto particular do Aláààfin, uma extensão do próprio palácio real, cujo costume pode ter sobrevivido nos rituais da nação Kanbina, no R.S., que possui um assentamento exterior, em separado, de Sàngó Baru (Kamuca). Assim, a expressão Nàgó Kobi, e um oríkì, um nome carinhoso de se louvar a nação Kanbina.
Concluímos com a visão de que, a Nação Kanbina, do Batuque afro-sul, nada tem de banto,
antes, trazem em seus rituais, reminiscências do Alafinato, e sobrevivências de antigos rituais nagô, dos Ioruba.
BIBLIOGRAFIA
ABRAHAM, R.C. Dictionary of Modern Yoruba, Hodder and Stoughton, London, 1962 [ 1946].
CORREA, Norton. O Batuque do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, UFRGS, 1992.
ELBEIN DOS SANTOS, Juana. Os Nàgó e a Morte, Petropolis, Vozes, 1976.
JOHSON, Samuel. The History of de Yoruba, Routledge & Kegan paul Ltda, London, 1973 [1921].
WILLIANS, Lizzie. Nigeria, New York, The Globe Pequot Press, 2008 [2005].
YAKAN, Muḥammad Zuhdī . Almanac of African peoples & nations, Transactions Publishers,
New Jersey, 1999.
A Entronação do Aláààfin e sua conservação: a nação Kambina no Batuque Nago do R.S. - Erick Wolff
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