Por Bàbá Hendrix ti Ọ̀rúnmìlà
Ago iyè egbóns!
Uma das perguntas mais frequentes nas comunidades em redes sociais cujo tema é a religião afro-gaúcha é o ritual batuqueiro conhecido como “balança”. Como se faz; como proceder em caso de rompimento; e para quê serve são as perguntas mais freqüentes daqueles que anseiam por conhecimento. O que podemos fazer é uma análise sistemática do ritual para tentarmos levantar hipóteses que não passam de meras especulações, já que este espaço não seria suficiente para uma dissertação sobre o tema.
Primeiramente temos que entender a origem do termo “balança”. Essa nomenclatura foi passada de geração a geração sem uma explicação lógica aceitável. Parece-me que se refere à dança já que a mesma é feita alternando-se o movimento: ora indo para frente, ora para trás, como que se tivesse dois pesos. Há também a idéia de que essa dança seria pertencente a Xangô, o Orixá da justiça.
E a justiça é representada no mundo ocidental pela efígie da deusa da lei e da justiça: Témis. Témis tem em sua mão esquerda uma balança, símbolo da justiça, pois a mesma medida é a que deve ser para todos, sempre. Na mão direita tem uma espada que utiliza para a execução de sua decisão. Coincidentemente (ou não), as imagens de São Miguel Arcanjo geralmente o mostram com uma espada na mão direita – com a qual ele lutou e expulsou Lúcifer do Céu – e na esquerda, tal como Témis, uma balança. O motivo é que uma das atribuições desse santo católico é a de guiar e conduzir as almas ao céu, depois de tê-las pesado na balança da justiça divina. Os padres, empenhados na conversão dos negros escravizados, criaram o sincretismo onde Xangô também é representado pela imagem de São Miguel Arcanjo. Com a assimilação a balança passa a fazer parte dos implementos sagrados desse Orixá.
A “balança” também é chamada de “roda-de-quatro-pés”. Este nome está, obviamente, ligado a obrigatoriedade de sua realização quando da sacralização de quadrúpedes aos Orixás. O antropólogo Norton Corrêa também registrou os termos emissô e caçu como designativos desse ritual, em seu livro “O batuque do Rio Grande do Sul”. Caçu é uma palavra muito utilizada hoje em dia pelos alabês. É a corruptela do termo iorubá kasun, que inserida numa frase pode significar “vamos”, como em eje kasun si waju, ou seja, “vamos em frente”. Então kasun não quer dizer “balança” como muitos gostariam, mas tem a ver com movimento.
Existe um mito no batuque que diz que caso a balança rompa os responsáveis por isto ou o sacerdote da casa estarão sujeitos à morte. Isso porque a balança, com seus movimentos de ir e vir, significa a ultrapassagem do limiar do Orun (mundo imaterial) e do Aiyê (mundo físico). É neste momento que esperamos que os Orixás se manifestem, vindo do Orun para o Aiyê, para serem recebidos na festa em sua homenagem, pois foram feitos sacrifícios de animais de quatro patas. É por isso que os Orixás não podem se manifestar num Batuque de quatro pés antes da balança, pois este é o momento de invocá-los.
Mas será que a pessoa morre mesmo? Perguntariam alguns mais céticos. Existem relatos de pessoas que morreram alguns dias após isto ter acontecido. Não sei se são verdadeiros, ou se um fato tem ligação com outro, mas quem seria tão cético a ponto de soltar a mão na balança só para testar o mito?
Muitas pessoas acreditam que a balança serve para julgar a obrigação que foi feita ou o sacerdote que a dirigiu. Acho essa explicação risível, pois os mesmos que acreditam nisso não dão explicações de como é feito esse julgamento, ou dão explicações contraditórias uns com os outros.
Essas pessoas dizem que se deve cuidar o momento da ocupação dos filhos por seus Orixás. Uns dizem que tem que se contar: se os Orixás se manifestam mais quando a roda fecha ou abre, daí o julgamento será positivo ou negativo. Outros dizem que depende da quantidade: se muitos ou poucos se manifestaram a obrigação está bem ou mal feita. A contradição é que alguns dizem que se todos as pessoas se ocuparem com seus Orixás significa que a obrigação foi tão ruim que todos tiveram que chegar para segurá-la. Mas há os que dizem o contrário: se nenhum Orixá se manifestar é porque a obrigação está mal feita. No entanto, ninguém leva em consideração que nem todo mundo é cavalo-de-santo, então como contar corretamente? Eu também nunca vi ninguém em batuque algum com uma planilha na mão contando: “Esse foi quando abriu. Esse foi quando fechou...” Se fosse para julgar, esse julgamento deveria ser no serão e não na festa, já que a festa é simplesmente o desfecho de uma obrigação que começou há dias atrás.
Em todos os batuques que já presenciei e nas discussões que tive no Orkut, só uma coisa é certa que acontece na balança: a ocupação de filhos por seus Orixás. No meu entendimento esta é sua finalidade.
O interessante é que muitas pessoas dizem que o kasun só existe no Batuque; até eu mesmo afirmei isso no passado. Era o que acreditava até cair em minhas mãos o livro "Orun-Aiye" de José Beniste, onde narra detalhadamente o que no candomblé ketu chamam de "Roda de Xangô". Ele fala sobre uma roda de pessoas voltadas para o centro do salão, girando os braços em movimentos circulares, indo para frente e para trás, movendo a cabeça para os lados, ao som de cânticos de Xangô que, aos poucos, vai acelerando e os Orixás se manifestando. Logo após o ritmo muda para o alujá...
Não sei se na África existe algum ritual semelhante. Lá os rituais e festas aos Orixás são executados sempre numa clareira em baixo de uma grande árvore (geralmente um baobá), pois se acredita que a árvore é sagrada porque ela liga os dois mundos (imaterial e físico) e é através dela que os Orixás descem à Terra.
No batuque a cultura da árvore foi completamente esquecida e o kasun ficou como liturgia chave para a manifestação dos Orixás.
Kasun: a dança que transcende os limites do nosso mundo com o mundo dos Orixás.
Pùpó àse gbógbó!
Eu particularmente adoro essa página!
ResponderExcluirObrigado pelo esclarecimento da nossa religião cabinda.
#Gratidão��