Segundo a concepção yoruba, todo o processo de existência se desenvolve no plano físico – o aiye – e no sobrenatural – o orun.
Tudo o que se manifesta no aiye tem a sua pré-existencia no orun. Tudo o que existe no plano material possui o seu doble no Orun.
Dentro da tradição yoruba, a existência dinâmica se deve à manifestação de uma força que se denomina Ase. Sem Ase não haveria possibilidade de existência e realização, pois dele decorre todo o processo vital, como essência e forma. Tanto as divindades como toda entidade animada estão impregnadas de Ase.
Como força vital, Ase é plantado, cultivado, renovado e compartilhado. Como toda energia no Universo manifestado, Ase é gasto e renovado. Receber Ase significa incorporar as representações matérias e simbólicas que representam os princípios vitais de tudo que tem existência no aiye como reflexo do orun.
Ase, como força, é neutro, mas detém qualidades e caraterísticas dos elementos que contém e veicula. Ase é a energia contida numa grande variedade de substâncias representativas dos reinos animal, vegetal e mineral, que se propõe movimentar.
Os elementos portadores de ase podem ser agrupados em três categorias, chamadas “sangues” – porque o sangue é o veículo energético por excelência:
Sangue vermelho
Sangue branco
Sangue negro
Todas as cores encontradas na natureza vinculam-se, em última instância, a uma das cores primordiais vermelha (amarelo, laranja) ou negra (verde, azul, lilás, cinzento). O amarelo é, portanto, uma variedade do vermelho, como o azul e o verde são variações do negro.
O sangue vermelho compreende:
No reino animal – todo tipo de sangue, humano e animal
No reino vegetal – azeite de dendê, ossun, mel
No reino mineral – cobre, bronze, ouro
O sangue branco compreende:
No reino animal – o plasma do igbin, o sêmen, a saliva, o hálito, as secreções, o marfim, os ossos
No reino vegetal – a água, o álcool contido nas bebidas brancas, a manteiga de ori, o inhame
No reino mineral - efun, sal, prata, chumbo, conchas
O sangue negro compreende:
No reino animal – as cinzas dos animais
No reino vegetal – a terra, sementes, o sumo das folhas , o waji
No reino mineral – o carvão, o ferro, as pedras
Alguns lugares, objetos ou partes do corpo humano podem ser impregnados de ase: a língua, o coração, as vísceras, os órgãos genitais, os dentes e ossos, assim como também as raízes, árvores, sementes, as pedras e cristais, os rios, o mar, as florestas e o fogo.
A prática da religião yoruba consiste em atuação através da manipulação dos ase branco, vermelho e negro.
Como dogma, baseia-se na fé numa Divindade Absoluta – Olodumare, na crença na existência e na sobrevivência da alma como sopro divino – emi, nas conseqüências das ações humanas – ewo, e na Lei moral ditada pela consciência de cada um, que permeia a vida cotidiana – ifa aya.
A criação do Planeta Terra
Segundo os Itan (mitos), corpo da tradição oral que norteia todas as crenças e procedimentos da religião yoruba, Olodumare convocou Obatala / Orisa nla para elaborar o planeta Terra dentro da dimensão física.
Durante a caminhada, Obatala encontrou Esu, que indagou sobre oferendas que deveriam ser feitas para a consecução do trabalho. Obatala não deu importância ao fato e, sedento, extrapolou no consumo de bebida alcoólica. Conseqüentemente, caiu em sono profundo e foi suplantado por Oduduwa, que, tomando os elementos necessários, saiu para efetuar a tarefa da criação da Terra.
O local onde o trabalho teve início denominou-se Ife (aquilo que é amplo) . Segundo a tradição, daí proveio o nome da cidade sagrada de Ile Ife.
Segundo a tradição de alguns clãs yorubas, Oduduwa teria sido um herói proveniente de reinos do oriente que atravessou todo o Egito, chegando ao local onde viria a ser fundada a cidade de Ile Ife.
Ali encontrou a população local, os Igbo, cujo rei era Obatala. Logo encontrou oposição por parte de Oreluere, ancestral guardião, partidário de Obatala. Esta oposição política à investida de Oduduwa fez nascer a Sociedade Secreta Ogboni, presevadora da justiça e dos ideais implantados ns primeiras instituições da Terra.
Em território yoruba há controvérsia sobre a figura de Oduduwa, visto tanto como divindade masculina, como feminina, associada à antiga tradição das deusas da fertilidade.
A controvérsia de mitos disputando entre Obatala e Oduduwa a criação da Terra revela dois momentos distintos que se complementam na memória política da civilização yoruba. Por uma lado, o mito da criação do planeta Terra e por outro, a incursão de povos estrangeiros que ali se mesclaram.
Disto resultou que, embora rendam, fìsicamente, tributo à ancestralidade de Oduduwa, reconhecem em Obatala – já intitulado Orisa nla, o Grande Orisa – a divindade regente do planeta Terra.
Outros itan já trazem a seguinte versão sobre a criação da Terra:
“Munido de uma concha com terra, uma galinha e um pombo, Obatala jogou a terra sobre a imensidão das águas que cobriam o planeta e, em seguida, enviou a galinha e o pombo para espalhar a terra.
Tarefa cumprida, Obatala informou a Olodumare, que enviou agemo, o camaleão, à fim de conferir o trabalho.
Da primeira vez, agemo informou que a terra ainda não estava suficientemente seca para a missão pretendida. Na segunda inspeção, comunicou que tudo estava à contento”.
De toda forma, tendo sido privado de cumprir a missão de criar a Terra, tornando-a habitável no plano físico - ou complementando a obra da criação - Obatala convocou Oreluere para trazer e fazer encarnar os seres que já aguardavam no Orun para concretizar a sua existência material.
Fato inconteste é que, por fim, Obatala recebeu a incumbência de criar as características físicas dos corpos que deveriam abrigar os habitantes humanos do planeta.
Com barro e água, Obatala confeccionou os corpos, aguardando que Olodumare complementasse com o emi – o sopro da vida que os animaria.
Segundo os mitos, no início orun e aiye eram mundos interligados, até que houve uma ruptura – relatada através de várias versões, que, no entanto mantém a constante de que o humano transgrediu contra o Poder Supremo e uma barreira se levantou entre os dois mundos.
O privilégio desta livre comunicação foi cortado, sendo substituído pelo oráculo, legado por Orunmila.
Texto Oluwo Willian de Almeida
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