A Religião é um processo relacional desenvolvido entre o Homem e os poderes por ele considerados sobre humanos, no qual se estabelece uma dependência ou uma relação de dependência. Essa relação se expressa através de emoções como confiança e medo, através de conceitos como moral e ética, e finalmente através de ações (cultos ou atividades pré estabelecidas, ritos ou reuniões solenes e festividades). A Religião é a expressão de que a consciência humana registra a sua relação com o inefável, demonstrando a sua convicção nos poderes que lhes são transcendentes. Esta transcendência é tão forte, que povoa a cultura humana.
Religião é uma palavra tão associada a uma série de paixões, movimentos e ideologias que defini-la é um desafio, e chegar a uma definição de consenso parece impossível. Talvez em última análise todas as definições possíveis sirvam a algum tipo de agenda, e uma definição objetiva seja no fim das contas impossível de se obter.
Podemos definir como sendo religião: a qualquer doutrina ou tradição que tenha um registro cultural, transmitido de um adepto para outro por meios orais e/ou escritos. Essa transmissão é necessária para a perpetuação da doutrina, para a formação de linguagem e conceitos próprios que permitam a comunicação entre os adeptos, e para distinguir essa doutrina de outras.
É necessário também que essas doutrinas se preocupem de alguma forma em definir o que é desejável ou não dentro das atitudes, ações e escolhas de seus adeptos. Ou seja, é preciso que exista uma preocupação enfática em definir uma ÉTICA. Além disso, uma religião tem necessariamente de se propor a fazer a ligação entre as circunstâncias específicas das vidas de seus adeptos e algum conjunto de valores absolutos e eternos. Como a compreensão humana do absoluto é inevitavelmente especulativa, surge em decorrência a necessidade de FÉ na prática religiosa. A palavra religião vem da expressão latina “religare”, que significa religar, ou seja, a ligação do homem ao Divino.
Do conflito dinâmico e essencialmente insolúvel entre os ideais do absoluto e as escolhas imperfeitas da vida diária, surge outra necessidade religiosa, a de INTERPRETAÇÃO, que pode ser exposta por algum tipo de autoridade religiosa formal ou informal, ou deixada a cargo de cada adepto individual.
Existe também uma PRÁTICA religiosa, algum tipo de escolhas, atitudes ou ações que são executadas pelos adeptos da religião para caracterizar um compromisso. A essa prática estão ligadas necessidades sociais, emocionais e principalmente estéticas dos adeptos. Há um estreito laço entre as funções ética e estética da religiosidade, pois qualquer pessoa deseja acreditar que ao se buscar o desejável também se está buscando o que é lícito e válido. Dessa interação entre o que se quer e o que considera correto querer surge um terceiro papel fundamental da vida religiosa - o AMPARO EMOCIONAL.
Outra característica necessária de uma religião é um conflito virtualmente sem solução entre os objetivos de preservar sua própria identidade enquanto doutrina (por meio da tradição e transmissão) e de exercer um efeito concreto nas vidas de seus adeptos (através da interpretação e prática). Essas duas metas tendem a limitar-se reciprocamente, mas é exatamente esse conflito que torna necessária a existência da religião. Quando acontece de se supervalorizar a preservação da doutrina, ela tende a perder o atrativo e ser esquecida ou mesmo se extinguir. Quando, pelo contrário, se dá importância excessiva às mudanças concretas nas vidas dos adeptos, o interesse em manter a religião viva diminui, pois vem a sensação de que ela já cumpriu seu papel. Uma religião excessivamente bem-sucedida põe em risco sua própria existência continuada.
RELIGIOSIDADE
A religiosidade é uma qualidade do indivíduo que é caracterizada pela disposição ou tendência do mesmo, para perseguir a sua própria Religião ou a integrar-se às coisas sagradas. Precisamos diferir o ser possuidor de religiosidade, do religioso, que é fruto do sistema religioso.
O religioso pode se tornar um fanático, ao não compreender e não respeitar o Processo “Religare” do próximo. Ele se torna intolerante e não aceita as práticas religiosas de outros indivíduos, considerando o seu caminho único e inquestionável. Acontece, com isto, que alguns sistemas religiosos podem gerar indivíduos de religiosidade, mas como os religiosos se apegam ao poder e as fórmulas, tendem a manipular as mentes atormentadas e sofredoras, obrigando a todo aquele que não esteja em sintonia com seus ideais a se tornarem submissos. Daí as crises e a intolerância religiosa. Os religiosos são de fato os grandes causadores de problema, aliados aos seus sistemas religiosos.
Tentando resumir em uma frase, diria que religião é uma doutrina que demanda interpretação, compromisso e fé, que permite uma prática e que tem objetivos éticos, estéticos e emocionais. E religiosidade é uma qualidade do indivíduo de integrar-se às coisas sagradas.
CONHECIMENTO E FUNDAMENTO
O conhecimento é necessário em toda e qualquer atividade humana. Não seria diferente na religião e sobretudo na nossa religião. É necessário e faz bem conhecermos nossa história, nossos ancestrais, as línguas que utilizamos em nossos rituais e tudo aquilo que estiver relacionado a nossa prática religiosa. Em todas as religiões as pessoas lêem e estudam muito. Há inclusive centros de estudos para formar sacerdotes. Caso do budismo, islamismo, cristianismo, judaísmo e assim por diante. No entanto, muitos confundem conhecimento cultural com os fundamentos do culto. Fundamento, a meu ver, são os atos executados no interior do roncó ou baquissi, é o momento do sagrado, quando nossas divindades se fazem presente e guiam a mão do sacerdote para a execução correta do ato fundamental, por isso chamado de fundamento. Por outro lado, possa saber tudo o que se passa lá, possa conhecer as rezas e cantigas, possa saber matar o bicho e as comidas votivas, mas se não tem axé (sabedoria e princípios) recebidos, de nada vai adiantar.
Saber, na religião africana não é poder fazer. Para poder fazer é necessário ter "mão", ou seja, ter sido destinado para aquilo, ter axé para distribuir. Só o conhecimento não torna alguém um sacerdote. É preciso mais, muito mais.
Esses novos tempos tem confundido algumas pessoas em relação ao segredo do culto. Os segredos para serem mantidos não precisam ser camuflados. Os segredos existem e sempre existirão. Talvez não com mesma intensidade e necessidade que eles já existiram, mas eles continuarão existindo, porque a religião africana como um todo é uma religião iniciática e dependendo do grau de iniciação do indivíduo ele pode participar de certos atos ou não. Para um não iniciado tudo é segredo, mas para um iniciado nem tudo é mais segredo, como o número de segredos de um ogã/ekedi é menor que o de um iyawo e assim por diante. Quanto mais avançamos em nossa iniciação mais os segredos nos serão desvendados. No entanto, o teor de cantigas, o uso de determinados modos da língua, a história dos povos africanos, a história da fundação das casas matrizes, nada disso é segredo porque nada disso constituem-se em fundamentos. Isso faz parte do conhecimento cultural e, na minha opinião, pode e deve vir a público.
Texto: Benin
"O saber desprovido de sabedoria é uma arma que se volta contra quem o possui."
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