terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Oralidade Africana


Oralidade Africana

ORALIDADE AFRICANA

A escravidão não congelou a alma, nem paralisarou o pensamento dos Mandinga, Yoruba, Bantu, Fanti, Asanti, Ewê-Fon ou Akan.

É a hora de esquecer o esquecimento. A memória existe e há memórias que surgem em contos e relatos, em mitos e crenças, em toques e silêncios de tambores. Também no gesto, na dança e na ética do viver ou do morrer.

Os escravos africanos trazidos durante os quase quatro séculos de regime escravocrata eram originários das regiões do Sudão ocidental, da África equatorial e de Angola. Suas origens étnicas puderam ser reconstruídas através das pesquisas feitas nas últimas cinco décadas.

Ao serem estas culturas um fator que define a identidade de uma boa parte das Américas, os estudos feitos até hoje sobre as etnias africanas, embora numerosos, ainda são insuficientes.

A pesquisa sistemática das culturas que deram origem aos grupos afro-caribenhos não existe em muitos de nossos países. A abordagem da africania ocorre a partir da demografia, que utiliza dados, às vezes falsos, da demografia escravagista para a reconstrução da história.

A oralidade no esquema africano

Oralidade Africana


A literatura oral africana é tudo isso ao mesmo tempo, mas não devemos esquecer que um mito, um conto, um provérbio, uma adivinhação é uma criação grupal, e deve ser vista assim, portanto, tem certas regras e para compreendê-la, é preciso analisar sua forma e seu conteúdo a partir de um enfoque multidimensional.

O estudo deve ser feito seguindo as linhas essenciais que a definem.

Cada texto oferece vastas possibilidades de análise, que vinculam as obras de literatura oral com outros aspectos da mesma cultura.

A língua, a base léxica e a sintaxe são fatores que, dada sua dimensão na oralidade tradicional, fazem com que a mesma seja uma forma de expressão mais rica que a língua correntemente falada.

Na tradição oral, há fórmulas de abertura e de encerramento, modalidades, onomatopéias, diminutivos e aumentativos, etc.

Há gêneros fixos e livres; nos primeiros, o texto permanece inalterável (provérbios, enigmas, fórmulas, esconjuros) e, por isso, a língua é arcaica. Já nos gêneros livres, a formulação, de fato, pode mudar (contos, relatos, etc.)

Os sistemas narrativos anteriormente mencionados têm variáveis que dependem do narrador e de seu auditório.

Alguns contos são mimados e formam um pré-teatro. Nenhum narrador transmite palavra por palavra o texto recebido por tradição oral; nesta liberdade reside justamente a riqueza e a diversidade da literatura falada.

Algumas sociedades têm a tradição de relatar histórias em grupo. Por exemplo, narram contos entre duas ou mais pessoas, fazem mímica, cantam em coro, etc.

A gramática do conto envolve uma estrutura narrativa, como exemplo, as seqncias nas que se deve repetir.

A linguagem dos relatos oferece uma infinita variedade de vocabulário, segundo a sociedade emissora da obra.

Afirma-se que não existe uma sociedade no mundo que não tenha, em seu acervo, criações como essas, que se transmitem na tradição cultural.

Em algumas sociedades, estas formas se conservam e obedecem à necessidade de manter vivos certos elementos da cultura, que não se conservam de nenhuma outra maneira.

É o caso dos relatos e das reconstruções genealógicas conservadas na África através dos séculos, associados aos feitos importantes (míticos em alguns casos) de heróis de cada etnia.

Este é o patrimônio depositado nos Griots, esses portentosos historiadores orais Peuls do Sudão ocidental.

Elementos da Oralidade

No vocabulário dos relatos, os atores: homens, animais, plantas, gênios, etc., ocupam seu lugar e possuem um simbolismo particular em cada sociedade.

Estes elementos permitem a criação de um repertório de metáforas e metonímias.

As ações e os gestos podem ser de compreensão universal, ou particular da sociedade em questão. Os acessórios do narrador (jóias, vestimenta, fantasia, etc.) também têm um valor simbólico.

Cada mito (muitos contos são restos de mitos) deve ser decodificado, pois nele há uma mensagem implícita.

O relato se decodifica no decurso de sua repetição. Ao lado da mensagem implícita está a mensagem explícita, que não tem a mesma importância, pois não modifica a estrutura interna do texto.

A função dos motivos explícitos é marcar o final do conto, do relato, ou de uma reconstrução genealógica.

A oralidade, portanto, transmite a mensagem de uma maneira indireta com uma linguagem codificada.

Já o simbolismo, que é múltiplo nos contos, pode diminuir ou aumentar os conflitos internos de uma sociedade.

Na oralidade, os africanos conservaram uma fonte viva de suas culturas tradicionais. Ao recuperarem a palavra, os novos países independentes, livres do peso do colonialismo, puderam reconstruir sua ancestralidade e delinear seus projetos de cultura nacional.

Os “livros” da experiência milenar africana foram guardados na memória dos idosos. “

Quando morre um ancião, diz Hampaté Ba, africano, se perde uma biblioteca”.

A história não escrita dos povos africanos pode ser procurada no inconsciente da vida social, isto é, nas estruturas, analisando a cultura e a literatura oral em todos os seus gêneros.

Contudo, ao se admitir que cada sociedade tem uma cultura e uma história, a consciência histórica começa a se delinear.

A consciência nasce ao espírito de uma ideologia global que superou as divisões étnicas de um país, para dar lugar a uma reconstrução paciente das seqüências temporárias com a ajuda de todas as ciências auxiliares: arqueologia, etnobotânica, glotocronologia, etnologia, etc.

A oralidade não é só o espelho de uma sociedade, também pode mostrar as contradições internas, sociais e psicológicas que se tornam perceptíveis na palavra.

O fator persistência está ligado a uma instituição muito importante, imprescindível, e só aprofundando em seu estudo, poderemos chegar a conhecer a alma africana. Estamos falando no tambor. Raramente, os historiadores e os etnologistas ocidentais abordaram o estudo da rítmica percutiva como substituta da escritura na África.

Oralidade Ritímica

Os tambores são o elo com o passado; sendo um meio de comunicação, de acompanhamento de danças, de transmissão de mensagens sagradas ou profanas, o tambor foi o guardião da memória-recordação, como se denomina a capacidade dos africanos de conservar, transmitindo de pais para filhos, os valores de sua tradição e os códigos de sua identidade, unificando as emoções coletivas.

A dança não se desenvolve sem o tambor, que é a escritura sonora que o dançarino deve acompanhar ao ler, ouvindo, seu ditado.

A escritura do tambor, “pode difundir as notícias mais rapidamente que a escritura gráfica”.

Para compreender o valor semântico do tambor, é necessário remeter-se às línguas africanas, que são sistemas fônicos com estratos sonoros que dão às palavras um significado diferente, conforme a gravidade sonora dos vogais.

Os sistemas de escritura são pouco adequados para escrever os tons graves, agudos e intermédios, sobretudo estes últimos.

Em nenhuma escritura existem signos que possam representá-los. Em troca, o tambor reproduz com fidelidade a linguagem tonal das línguas africanas.

A linguagem do tambor é, portanto, a reprodução imediata e natural da língua: é uma “escritura” intelegível para qualquer pessoa que tenha a prática suficiente, só que, ao invés de se dirigir à vista, está destinada ao ouvido.

O europeu jovem aprende a relacionar, na escola, os sinais óticos com os sentidos; do mesmo modo, o africano jovem tinha que aprender outrora a arte de captar os sinais acústicos do tambor.

Texto Adpatado por Ifatolà




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