Acreditamos que o nosso mundo, o Àiyé, é simbionte com o Òrun, o mundo transcendente.
Tudo o que acontece aqui tem reflexo lá e vice-versa. O Òrun não é o céu como alguns antropólogos afirmaram. Pois não existe essa distância entre o Òrun e o Àiyé.
O Òrun está aqui e agora, não podemos vê-lo, mas está aqui.
A terra pertence aos Òrìṣà, por isso os alimentos cultivados nela também pertencem à Eles.
A relação das oferendas, que os leigos chamam de despachos, é de tributo aos Òrìṣà.
Se nós nos alimentamos é graças ao Àṣẹ de fertilidade e fecundidade dos Òrìṣà manifestados nas plantações e nas culturas de animais de abate, então lhes oferecemos parte do alimento como agradecimento pela doação desse poder.
A urbanização do culto deturpou alguns desses conceitos mas sua essência é a mesma. Como os dois mundos são simbióticos, vemos em certos pontos do Àiyé espaços de ligação direta (como portais) com o Òrun.
Estes espaços, então, se tornam sagrados para nós. Assim encruzilhadas, rios, praias, praças, pedreiras, mato e até trilhos de trem são entendidos como lugares sagrados, pois é onde os Òrìṣà se manifestam. Por isso as oferendas são deixadas nesses lugares.
Nas encruzilhadas Èṣù-Bara reina absoluto, pois o cruzamento dos caminhos simbolizam o poder de comunicação desse Òrìṣà que intercomunica pessoas e lugares; as Ìyába ou Òrìṣà femininas tem nos rios e praias - tanto de água doce quanto de água salgada - além de cachoeiras e lagos, Seu lugar sagrado, pois Elas são as grandes Mães que garantem a vida das águas; as praças infantis também são sagradas para nós, pois acreditamos que os Ibéji, os Òrìṣà crianças, ali estão protegendo os nossos filhos e netos; as pedreiras é lugar de Ṣàngó, pois o estrondo que fazem ao bater se assemelha ao trovão do qual esse Òrìṣà é dono; no mato temos uma infinidade de outros Òrìṣà: Ògún, Yánsàn, Ọdẹ, Ọtin, Òsányìn, Ṣànpònná, Ọbà.
Ògún é uma divindade ligada ao ferro e sua manipulação. É o Òrìṣà Alágbèdẹ (ferreiro) e, por extensão, das tecnologias, pois o Seu legado foi o conhecimento que permitiu à humanidade se desenvolver. Por isso entendemos que Ògún também é o Òrìṣà da tecnologia. Ele também é descrito como o Òrìṣà Asiwajú, ou seja, "o desbravador". É quem abre as estradas transformando o mato em cidade. Os trilhos de trem, por serem feitos de ferro e serem um tipo de estrada de ligação entre lugares, acabam se tornando espaços sagrados para esse Òrìṣà.
Algumas oferendas são feitas com uma intenção específica, para alcançar algum objetivo específico. Essas oferendas são chamadas de ebós, trabalhos, serviços, feitiços ou macumbas. Esses nomes – com exceção do termo ebọ, que significa "comida" em iorubá – foram dados por pessoas que desconhecem ou temem a religião afro ou ainda que associam a religião afro à práticas de "bruxaria"(2).
É crucial que estes ebọ sejam entregues em material biodegradável e em regiões onde a própria natureza se encarregue de absorvê-los e transformá-los em energia para a própria sobrevivência da Terra.
Barco ecológico. |
No entanto, o advento da industrialização de produtos e a crescente urbanização de áreas antes destinadas ao culto, provocaram um desvio no conhecimento ecológico afro-brasileiro ao longo dos anos.
A religião de matriz africana é a única religião que realmente se preocupa com o meio ambiente, pois nossos Òrìṣà são os vivificadores da natureza.
Nossas práticas são em favor da manutenção da natureza e da vida. Ao cultuarmos os Òrìṣà garantimos a preservação do mundo.
Ora, quem polui o meio ambiente são as indústrias que fabricam produtos descartáveis e da nossa sociedade que não tem a cultura da preocupação ecológica.
Os afro-religiosos não podem ser responsabilizados pela sujeira do mundo. Aliás, há um grande hiato entre "sujeira" e "oferenda". O primeiro é apenas o descarte de algo não mais utilizável, enquanto o segundo é o exercício de uma religiosidade, um ato sagrado. Ao chamar uma oferenda de lixo, a pessoa estará sendo intolerante, discriminatória e preconceituosa.
Quem nos acusa dessa forma não é diferente do pastor que chutou a "santa" em rede nacional. Para o pastor era apenas uma imagem de gesso e por isso não havia problema em chutar. Mas para milhões de pessoas aquela imagem de gesso era um símbolo de religiosidade e fé.
O mesmo acontece aqui. Quando alguém chama nossas oferendas de "lixo", está ofendendo o que para milhões de brasileiros é símbolo de religiosidade e fé.
Fontes:
BENISTE, José. Òrun-Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a terra. 6ª ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2008. 336p.
CAUVIN, Jacques. Nascimento das divindades, nascimento da agricultura: a revolução dos símbolos no neolitico. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 344 p.
CORRÊA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da Universidade – UFRGS, 1992.
SÁ JUNIOR, Mário Teixeira de. Fé cega justiça amolada: os discursos de controle sobre as práticas religiosas afro-brasileiras na república (1889/1950). In.: Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 9, Jan. 2011.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagô e a morte: pàde, asèsè e o culto égun na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1986.
Fontes:
BENISTE, José. Òrun-Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a terra. 6ª ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2008. 336p.
CAUVIN, Jacques. Nascimento das divindades, nascimento da agricultura: a revolução dos símbolos no neolitico. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 344 p.
CORRÊA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da Universidade – UFRGS, 1992.
SÁ JUNIOR, Mário Teixeira de. Fé cega justiça amolada: os discursos de controle sobre as práticas religiosas afro-brasileiras na república (1889/1950). In.: Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 9, Jan. 2011.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagô e a morte: pàde, asèsè e o culto égun na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1986.
BENISTE, José. Òrun-Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a terra. 6ª ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2008. 336p.
CAUVIN, Jacques. Nascimento das divindades, nascimento da agricultura: a revolução dos símbolos no neolitico. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 344 p.
CORRÊA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da Universidade – UFRGS, 1992.
SÁ JUNIOR, Mário Teixeira de. Fé cega justiça amolada: os discursos de controle sobre as práticas religiosas afro-brasileiras na república (1889/1950). In.: Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 9, Jan. 2011.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagô e a morte: pàde, asèsè e o culto égun na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1986.
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