domingo, 13 de novembro de 2011

O Bará do Mercado, mito ou realidade?

O Mercado Público é uma referência essencial para o universo afro-religioso da cidade e do estado. Tanto que é o primeiro lugar onde os filhos de santo realizam o seu “passeio”, quando levantam do chão e estão prontos para exercer seus ofícios religiosos. Construído por negros escravos, o Mercado carrega grande força mística, atribuída ao axé do Bará mais antigo da cidade.

A importância simbólica que o Mercado tem para os seguidores das religiões afro-gaúchas se dá pelo fato de acreditarem que no “cruzeiro” central do prédio esteja assentado o Orixá Bará, que na concepção africana, é a entidade que abre os caminhos, sendo também o guardião das casas e cidades. Ali estaria “assentado” o Orixá (divindade cultuada pelo batuque) em forma, imagina-se, de uma pedra. Este objeto, também chamado pelos religiosos de Ocutá, estaria enterrado na área central do Mercado, significando que o Orixá está ali, para ser visitado, cultuado e receber oferendas. O Bará representa também o trabalho, a fartura e o início de todas as coisas. Por isto é muito comum ver religiosos em seus ritos jogarem moedas no centro do Mercado, principalmente perto da Banca Central.
Existem muitas polêmicas sobre o Bará do Mercado, mas duas versões são as mais conhecidas. A primeira conta que o Bará teria sido assentado pelos próprios negros que construíram o Mercado. Esta era, então, uma prática muito comum entre eles na África ao construírem seus mercados, uma vez que representam a fartura e abastança. Outra versão é de que a idéia de assentar o Bará foi do Príncipe Custódio. Quando ele aqui chegou trouxe cultos da África, como um grande líder religioso e decidiu fazer o assentamento dos orixás em Porto Alegre. Foram assentados sete barás na cidade, sendo o primeiro no Mercado – e por isto, considerado como o mais forte.

Quem foi o Príncipe Custódio
Reza a lenda que o Príncipe Custódio Joaquim de Almeida, ou Osuanlele Okizi Erupê, nasceu na Nigéria, em 1831. Seria filho de um rei, destronado pelos ingleses no final do século XIX. É comum afirmar que a vinda do Príncipe ao Brasil seria resultado de um acordo com os ingleses, que lhe ofereceram uma renda permanente para que não apresentasse resistência, abdicando seu trono e se exilando em outro país. Veio, então, como príncipe para o Brasil, sendo muito reconhecido como o consolidador das religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul.
Em 2 de setembro de 1898, o príncipe Custódio chegou na Bahia, teve uma breve passagem no Rio de Janeiro. Custódio é orientado pelos Orixás a seguir para o sul do Brasil, chegando a Rio Grande em 1899, e por prováveis perseguições que tinham sido enviadas de seus inimigos na África ele vai para a cidade de Pelotas em 1900, onde conheceu o político Julio de Castilhos, que o procurou como último recurso para tratar um câncer de sua garganta.
Seguindo orientação dos Orixás, o príncipe vai para Bagé, e acaba fortalecendo toda questão da religião africana, que já existia de modo bastante frágil aqui sul.
Com poder de mobilização dentro da comunidade, sua fama de curandeiro já percorria o país, e Julio de Castilhos convidou o príncipe para vir morar em Porto Alegre. Com a aprovação dos Orixás, Custódio Joaquim de Almeida fixa residência com sua corte na rua Lopo Gonçalves, 498, onde recebia várias personalidades, tanto do Rio de Janeiro, da África, como os políticos locais.

Veio para Porto Alegre com 70 anos de idade. Falava fluentemente francês e inglês e era cercado de muitas histórias, freqüentando, inclusive a alta sociedade da época. Sua casa, na cidade baixa, era frequentadíssima. Sua festa de 100 anos durou três dias, ao som de tambores africanos.
O poder da religião africana praticada por Custódio encantava a alta sociedade da época e trazia a sua casa gente simples e visitas ilustres; os necessitados o procuravam com os mais diversos fins; as mulheres ele encaminhava para fazer trabalhos domésticos, e os enfermos ficavam até serem curados das doenças e debilidades.
Muito elegante circulava pela cidade em uma carruagem, puxado por parelha de cavalos branco e preto; era proprietário de um haras, onde cuidava de seus cavalos e de vários outros políticos importantes.
O Mercado Público de Porto Alegre era muito movimentado, e para resguardo, príncipe Custódio fez o assentamento de um Bará, que é o guardião das casas, cidades e das pessoas; na África também é comum o assentamento do Bará nos mercados. Mais de um século após a chegada do príncipe negro em Porto Alegre, aqueles que praticam a religião africana, após rituais religiosos, seguem em direção ao mercado público, para cumprimentar, agradecer e homenagear o Bará que lá foi assentado por Custódio Joaquim de Almeida.
O príncipe Custódio morreu em maio de 1935, aos 104 anos, na casa em que sempre morou na rua Lopo Gonçalves em Porto Alegre

As práticas afro-religiosas no Mercado
Na África o mercado representa nas aldeias um ponto central de convergência e trocas. Aqui os religiosos entram no Mercado, passeando por quatro pontos. É o primeiro lugar que o religioso visita, depois que levanta do chão. O passeio é feito entrando pelo Largo Glênio Peres, saindo pela Avenida Julio de Castilhos para reverenciar o orixá das águas. O retorno é feito pela Avenida Borges de Medeiros, saindo pela Praça Parobé, que antes se chamava Caminho Novo (atual Voluntários da Pátria), justamente para abrir novos caminhos.

As floras do Mercado Público
Com a reforma as floras foram cuidadosamente distribuídas no Mercado. São quatro delas, com produtos religiosos, cada uma localizada nas entradas do Mercado, sempre à esquerda. É nas floras do Mercado que geralmente os pais-de-santo compram seus produtos para as obrigações religiosas, como peixe vivo, mel, azeite de dendê, velas, entre outros artigos. Acreditam também que ao comprar os produtos no Mercado levam junto o axé (força mística) do Bará que está assentado no prédio – para eles é o mais forte por ser o mais antigo.


Documentário: “A Tradição do Bará do Mercado”

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